terça-feira, 31 de janeiro de 2017

2886 - DEXTER, SEGUNDA TEMPORADA

    
DEXTER, SEGUNDA TEMPORADA (DEXTER, SECOND SEASON, USA, 2007) – Esta segunda temporada desta série eletrizante consegue algo raro: ser melhor do que a primeira. Agora, os personagens são mais desenvolvidos, as tramas mais amarradas e, como resolução do gancho da primeira, começamos a conhecer a matriz existencial de Dexter e o começo da busca por sua própria identidade, processo que se encaixa perfeitamente no contexto maior da busca do assassino da vez: o Bay Harbor Butcher. Se na primeira temporada, Dexter tem que enfrentar o Ice Truck Killer, um inimigo que tem tudo a ver com ele, até o desfecho sensacional, agora, ele se vê perto de ser descoberto. Dexter, a cada episódio, vai se revelando para nós, os espectadores, como se estivesse se abrindo com um amigo muito próximo, e isso fortalece ainda mais nossas conexões (inconfessáveis) com sua natureza, digamos, de querer elidir o mal por meios poucos ortodoxos. O diálogo interno de Dexter continua a ser primoroso e altamente elucidativo para entendermos porque gostamos tanto deste serial-killer.



2885 - O 11 DE SETEMBRO, QUINZE ANOS DEPOIS

    O 11 DE SETEMBRO EM 102 MINUTOS (102 MINUTES THAT CHANGED AMERICA: 15TH ANNIVERSARY, USA, 2016) - Versão atualizada do especial vencedor do Emmy, 11 de Setembro em 102 Minutos, apresenta, minuto a minuto, os acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Durante duas horas de material original em áudio e vídeo, são exibidos 100 testemunhos individuais, entrelaçados em ordem cronológica, sem a intervenção de narrativas ou comentários, para proporcionar um registro histórico contínuo daquele dia fatídico. Desta forma, a informação emocional desta manhã histórica se mantém preservada, ao mesmo tempo em que é desenvolvido o relato fiel do que aconteceu e a forma como tudo foi vivenciado. É o que se pode chamar de “filme de terror”.

2884 - EU SOU CARLOS IMPERIAL

     
EU SOU CARLOS IMPERIAL (BRASIL, 2015) – Um documentário sobre Carlos Imperial, figura mitológica do showbiz nacional, tinha tudo para ser apenas uma sequência de arroubos de arrogância, esperteza, malandragem e, claro, muita mentira. Tudo isso era Carlos Imperial. No entanto, o filme de Renato Terra e Ricardo Calil, apresenta de forma bem didática a figura de um mulherengo assumido, pai ausente, com um temperamento explosivo e controlador, que escondia, com bordões e malandragem, a faceta de um amigo protetor e empresário com um incrível "feeling" na época de ouro da TV brasileira. Considerado um dos introdutores do rock no país, foi ele quem lançou artistas como Roberto Carlos, Tony Tornado, Elis Regina, Clara Nunes, Wilson Simonal e Tim Maia. As múltiplas facetas desta figura polêmica – produtor musical, compositor, jornalista, apresentador, marqueteiro e quanto mais lhe aprouvesse – estão neste ótimo documentário que, certamente, o próprio Imperial aprovaria.

2883 - AVENIDA


       A AVENIDA (BOULEVARD, USA, 2014) – Um dos últimos filmes de Robin Williams, no qual ele vive um homem de meia-idade, casado por conveniência e com uma vida secreta, que acaba se apaixonando por um garoto de programa. O que mais se ressalta aqui é a atuação brilhante de Williams nos fazendo ver como é difícil se adaptar a uma vida na qual não se tem prazer de viver. O encontro com o garoto e a solidão existencial do protagonista lembram um pouco a temática de MORTE EM VENEZA, de Visconti, com Dirk Bogarde. No entanto, o grande talento de Robin Williams transforma um filme pouco original, meio indie, num emocionante canto dos cisnes para um ator que em qualquer papel que fizesse nos atingia no que temos de mais íntimo, de mais anímico. É uma bela despedida de uma pessoa que parecia mesmo estar nos estertores de um sofrimento que só ele podia avaliar.

2882 -VOLTA AO MUNDO PRÉ-HISTÓRICO


VOLTA AO MUNDO PRÉ HISTÓRICO (DINOSAURUS!, USA, 1960) – Eu sei que pode soar estranho, mas sou fã do stop-motion. Esta técnica cinematográfica pré-histórica (oops!) pode se mostrar muito mais satisfatória do que muito CGI atual que apenas dá a impressão de preguiça dos produtores. Em uma ilha do caribe, dois dinossauros (sendo um um T-Rex) e um troglodita hominídio são descobertos congelados, depois que explosões marítimas são feitas para a construção de um porto para turistas. Nesta época, JURASSIC PARK ainda era um sonho distante, diga-se de passagem. Depois de ganharem vida, ao serem atingidos por raios numa tempestade, os dinossauros passam a aterrorizar a ilha. O homem das cavernas, no entanto, se mostra o típico bom selvagem, ajudando as pessoas a se salvarem, até se sacrificar por elas. As extremas restrições orçamentárias não impediram a realização de um filme simples, mas eficiente no seu propósito de contar uma história que, como é o meu caso, fica na mente das pessoas por décadas.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

2881 - BATMAN VS SUPERMAN

       BATMAN VS SUPERMAN (USA, 2016) – O filme de Zack Snyder possui, à feição de seu diretor, imagens intensas e táteis que acabam dizimando o roteiro que já é fraco e nos deixando com a impressão de que perdemos tempo tentando achar algo que nos foi prometido, mas que não foi entregue. Falta a BvsS unidade dramática – tem-se a sensação de que começamos a assistir a um filme e terminamos vendo outro. A ausência de ritmo é o efeito colateral mais percebido, à medida em que o paradigma narrativo vai perdendo a uniformidade e emerge uma total desconexão entre personagens e a história propriamente dita. A necessidade de apresentar um desses personagens para a franquia – o caso da Mulher-Maravilha – parece estar acima da coerência narrativa, pois em nada acrescenta à trama e às subtramas, todas estéreis, compartimentalizadas e sem unidade. Por incrível que pareça, Ben Affleck talvez seja o ponto alto do filme, embora continue aqui o péssimo ator que sempre foi. Ele se destaca porque empresta ao Batman da vez uma carga de frustração e desilusão que não é oriunda do talento, mas do sofrimento de ter tido - ele, Affleck - uma vida profissional como ator (sim, apenas isso, pois ele é ótimo diretor) e particular tão acidentadas. É um feliz caso de coincidência entre ator e personagem em que as dores existenciais do primeiro ajudam a projeção do segundo. Amy Adams está perdida e desperdiçada, assim como o grandíssimo Jeremy Irons, como o Alfred mais inócuo projetado numa tela. Nada a comentar sobre o Superman, vivido por Henry Cavill – é mesmo uma pedreira criar conflitos para um personagem tão certinho, tão politicamente correto e, convenhamos, tão chato. Zack Snyder é um bom diretor no lugar errado e, como já foi dito, não segura a onda de explosões físicas que, ao fim, inibem a única cabível e desejada: a dramática. Há de se observar que o roteiro possui um laivo premonitório nestes tempos de pós-verdades: a verdadeira ameaça é a neurose de um homem pelo poder, a qualquer custo. E Trump nem tinha sido eleito.

domingo, 29 de janeiro de 2017

2880 - JACKIE

JACKIE (USA, 2016) – O filme do chileno Pablo Larrain enfoca o sofrimento de Jacqueline Kennedy, nos dias subsequentes ao assassinato do marido, em em 23 de novembro de 1963. Aí, reside a originalidade do roteiro: como teria se comportado a primeira-dama dos EUA, logo depois da tragédia em Dallas, a sua imensa dor e a preocupação com o seu futuro e dos dois filhos. Desta forma, vemos aqui um retrato psicológico da devastação emocional por que Jackie passou, suas dúvidas, suspeitas e, além de tudo, sua total devoção à memória de JFK. A trilha sonora meio fantasmagórica de Mica Levi dá uma dimensão sobrenatural às longas sequências de Jackie na Casa Branca, nas quais ela parece tocar de leve os objetos que lhe traziam de volta a presença de Kennedy. Tudo gira em torno da atuação de Natalie Portman que, de fato, vai além das expectativas, embora, em alguns momentos, ela própria pareça não suportar a carga dramática de um personagem tão intenso. De qualquer forma, Portman vai perfilar ao lado de Helen Mirren (A RAINHA), Marion Cotillard (EDITH PIAF) e Meryl Streep (THE IRON LADY), como uma das mais perfeitas personificações nas telas. Foi emocionante ver um dos últimos trabalhos de John Hurt, falecido há apenas três dias atrás – no filme, ele é o padre que ouve Jackie enquanto caminham por uma longa alameda. Peter Sarsgaard não convence muito como Bobby nem John Carroll Lynch como Lyndon Johnson, embora este último tenha pouquíssimo tempo em cena. JACKIE é um filme que faz jus a esta que é uma das mais dramáticas histórias de todos os tempos – o assassinato de Kennedy – e, como aconteceu em PARKLAND, joga luzes em personagens nem tão secundários assim, mas que foram essenciais para o fascínio da era de Camelot para o mundo desde então. 




sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

2879 - STEVE JOBS

   
STEVE JOBS (USA, 2015) – O filme procura dar uma panorâmica crítica e sem passionalidade desta figura indecifrável em seu centro e em cujo entorno físico e existencial orbitava a arrogância da genialidade febril e implacável que o caracterizou nestes anos pioneiros da computação. Michael Fassbender teve uma justa indicação ao Oscar, por seu mergulho visceral no personagem-título. O diretor Danny Boyle apresenta a história como uma tragédia clássica, dividida em três atos, costurando-os com a câmera ágil que passa de um a outro sem cortes e em tempo real. O resultado é razoavelmente satisfatório e fica muito à frente do lamentável JOBS, protagonizado, sem talento, pelo mais lamentável ainda Ashton Kutcher.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

2878 - TREZE DIAS QUE ABALARAM O MUNDO

TREZE DIAS QUE ABALARAM O MUNDO (THIRTEEN DAYS, USA, 2000) – O filme é sobre a Crise dos Mísseis enfrentada por Kennedy em outubro de 1962. A descoberta pelos Estados Unidos de que os soviéticos instalavam mísseis nucleares em Cuba foi o momento de maior tensão da Guerra Fria e quase terminou em catástrofe. Ao fim, Kennedy resolveu o impasse por vias diplomáticas, sem que houvesse o confronto direto. 13D se concentra num personagem secundário neste episódio, o assessor Kenny O’Donnell (vivido com fervor por Kevin Costner), que representa um contraponto nos momentos de dúvida do presidente (Bruce Greenwood, na melhor personificação de JFK no cinema). Há, de fato, vários momentos que correspondem aos fatos relatados por Ted Sorensen na biografia definitiva de Kennedy. É um filme essencial para quem se interessa por esse período histórico, especialmente na forma como o diretor Roger Donaldson (de O INFERNO DE DANTE) apresenta a cúpula do poder na época em que os americanos tinham um presidente sensato, popular e carismático, que não se propunha a bravatas e à incitação do ódio a qualquer preço.


 

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

2877 - O ENCONTRO

O ENCONTRO (TIME OUT OF MIND, USA, 2014) – Richard Gere é o protagonista desta produção indie sobre a vida (vida?) das pessoas que vivem nas ruas de Nova Iorque, completamente invisíveis, sem esperança, perdidas, na maior amplitude do termo. Gere é George, um homem sozinho, sem casa, quase sem família, que vaga de abrigo em abrigo, tentando sobreviver um dia após o outro. Sua única conexão familiar é a filha, que o rejeita de todas as formas, embora George procure restabelecer sua relação com ela. O filme o acompanha neste processo de uma vida sem esperança que o torna cada vez mais invisível diante da cidade que simplesmente ignora este grupo sem privilégios. Tanto que Gere, em andrajos, durante toda a filmagem, só foi reconhecido por duas pessoas. É um dos filmes mais emocionantes que já vi.    

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

2876 - POLÍCIA EM PODER DA MÁFIA

    POLÍCIA EM PODER DA MÁFIA (TRIPLE 9, USA, 2016) – O elenco, à primeira vista, não deixaria dúvidas: Chiwetel Ejiofor, Casey Affleck, Anthony Mackie, Woody Harrelson, Norman Reedus e Kate Winslet. Entretanto, o filme não funciona ou, pelo menos, não alcança os objetivos a que se propõe: um thriller policial que envolve policiais corruptos e uma máfia russa estranhíssima. T9 começa bem, mas vai perdendo força, à medida em que seus personagens não se desenvolvem e o roteiro se perde em tramas pouco definidas. Parece que o excesso de estrelas no elenco acabou deixando a história arrastada e em nada atraente. Para esquecer.    

2875 - CHARLIE CHAN AT THE TREASURE ISLAND

1.    
  CHARLIE CHAN AT THE TREASURE ISLAND (USA, 1939) – Um dos melhores filmes da série com Sidney Toler como Chan, envolvendo um misterioso assassinato e um clarividente chamado Dr. Zodíaco. Uma curiosidade é a presença de um jovem Cesar Romero que, nos anos 60, alcançaria a fama como o Charada, na série BATMAN. Excelente fotografia, um roteiro instigante e, claro, o bom humor do Charlie Chan vivido com magnetismo por Toler.    

2874 - CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU

    
CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (CLOSE ENCOUNTERS OF THE THIRD KIND, USA, 1977) – O mais maduro dos filmes da primeira fase de Spielberg ainda é uma emocionante experiência cinematográfica, arrebatadora e profundamente bela. Além de tudo CE3K, é sobretudo a história de como Roy (Richard Dreyfuss), cuja vida não tinha mais sentido, descobre um propósito maior que ele persegue a todo custo. Atualmente, é o que mais me chama a atenção no roteiro: a descoberta de um motivo para continuar vivendo, algo que faça a vida ter significado novamente. Dreyfuss retrata com maestria as fases por que passa seu personagem e, de certa forma, nos leva com ele neste processo de descoberta. É fascinante. Ao fim, temos a transformação do medo adulto em um deslumbramento infantil diante da descoberta de um mundo novo, coisa que Spielberg fez, magnificamente, também, em outros filmes.   
      

domingo, 22 de janeiro de 2017

2873 - SCARLETT JOHANSSON

SCARLETT JOHANSSON (USA, January 21st, 2017) – “Presidente Trump, eu não votei em você. Eu respeito que você seja o presidente eleito e eu queria ser capaz de apoiá-lo, mas, antes, eu peço que você me apoie...”. Foram estas as palavras que se destacaram no discurso de Scarlett Johansson na Marcha das Mulheres, em Washington, um dia depois da posse de Trump. O protesto na capital americana remete ao nome de duas outras grandes marchas por direitos civis: a de 1963, liderada por Martin Luther King e marco da reivindicação dos negros do país; e a de 1913, quando o grande mote aglutinador foi a defesa do voto feminino. Em tudo isso, o que mais me impressionou foi ver a beleza, a sensualidade, o talento e todas aquelas qualidades que fazem desta mulher uma artista excepcional, a serviço de um protesto que todos gostaríamos de fazer, diante desta indignação inicial que o presidente americano vem provocando planetariamente. Ela, sobretudo, foi corajosa, se expôs desabridamente e demonstrou que sua consciência de cidadã é tão grande quanto à sua presença mesmerizante, nas telas, no nosso imaginário mais inconfessável e, agora, nas renovadas aspirações progressistas de todos que experimentaram o lado amargo da democracia.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

2872 - INDEPENDENCE DAY: O RESSURGIMENTO

INDEPENDENCE DAY: O RESSURGIMENTO (INDEPENDENCE DAY: RESURGENCE, USA 2016) – Lixo espacial, para começar. É até difícil comentar um filme tão ruim, sem parecer estar promovendo um festival de críticas negativas em technicolor. Tirante dois ou três bons momentos do CGI, nada se salva neste desastre monumental. Personagens ridículos, como, por exemplo, o ex-presidente paranoico vivido constrangedoramente por Bill Pullman e o cientista louco que acorda de um coma, interpretado quase caricaturalmente por Brent Spiner, o valoroso Data, de STAR TREK, THE NEW GENERATION, são jogados em cena sem qualquer critério e a serviço de um roteiro paupérrimo, se não risível. Também egresso do primeiro filme, o personagem de Jeff Goldblum, o perdido Devid Levison, parece peguntar a todo momento o que está fazendo ali. E o que é Liam Hemsworth como ator? O irmão mais novo de Thor (Chris Hemsworth, este sim com razoável talento) é mais um equívoco nesta tragédia interplanetária. A única qualidade relativa deste filme é valorizar o primeiro INDEPENDENCE DAY, de 1996, que já não era grande coisa, mas, pelo menos, tinha Will Smith com toda a estamina que o caracterizava no início de carreira e uma concepção original de Roland Emmerich do que poderia ser uma invasão alienígena.

2871 - WESTWORLD

1.      WESTWORLD (USA, 2016) – “Westworld” é um parque temático futurístico para adultos, dedicado à diversão dos ricos, uma espécie de Disneyworld temática que reproduz o Velho Oeste, onde os androides – os anfitriões –, são programados pelo diretor executivo do parque, o Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins), para acreditarem que são humanos e interagirem com os clientes, que podem fazer o que quiserem, sem obedecerem a regras ou leis, o que inclui assassinatos e estupros. No entanto, quando uma atualização no sistema das máquinas dá errado, os seus comportamentos começam a sugerir uma nova ameaça, à medida que a consciência artificial provoca uma nova noção existencial dos androides, entre os quais está Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood), programada para ser a típica garota da fazenda e que está prestes a descobrir que toda a sua existência não passa de bem arquitetada mentira. Dolores está presa a um eterno looping temporal. Depois de partilhar experiências com os hóspedes do momento, ela passa por um “reset” e as memórias recentes são deletadas. Esta série da HBO é uma nova versão do filme cult de 1973, WESTWORLD – ONDE NINGUÉM TEM ALMA, escrito e dirigido por Michael Crichton, e tangencia BLADE RUNNER na temática, embora aduza elementos mais instigantes para a reflexão sobre o debate ético sobre a inteligência artificial. O programa trata do que poderia ser o ponto nodal na evolução dos robôs – a gênese da consciência e das dores (“dolores” em latim) que ela implica. É aí que entra o fator BLADE RUNNER: os androides, ao se humanizarem, recebem um presente inesperado – a angústia existencial. De certa forma, parte da premissa que o ser humano, com total liberdade, é axiomaticamente ruim, destrutivo, sem ética, quase negando sua civilidade humanitária, à medida que, literalmente, “compra” este sonho niilista, descobrindo o seu lado mais perverso – aparentemente ninguém está lá para fazer o bem. Os primeiros episódios foram muito confusos. Na realidade, tudo começa a se esclarecer no último, deixando alguns ganchos para a próxima temporada. A fotografia é espetacular e o elenco nos fazem ter esperança de que, com mais perspectiva, esta ainda poderá ser uma das melhores séries já feitas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

2870 - O MENSAGEIRO TRAPALHÃO

1   
O MENSAGEIRO TRAPALHÃO (THE BELLBOY, USA, 1960) – Neste primeiro filme dirigido e estrelado por Jerry Lewis, os grandes destaques são a exímia fotografia em preto e branco de Haskell B. Boggs e a locação do já então impressionante Fontainebleau Miami Beach Hotel, por onde Lewis desfila uma série de gags aparentemente desconexas que, ao fim, são uma homenagem ao cinema mudo e a Stan Laurel, grande ídolo de Lewis, em especial. Numa taxonomia mais simplificada do universo da comédia no cinema, que vai de Chaplin e Harold Lloyd a Buster Keaton, Jerry Lewis é, de fato, um gênio do humor corporal, saudavelmente “sem noção” que, intencionalmente ou não, revela em seus filmes um pouco dos absurdos do “american way of life”. Em THE BELLBOY, muito antes do boom das (questionáveis) celebridades midiáticas de hoje, ele cutuca o endeusamento dos famosos (quando interpreta ele mesmo chegando ao hotel, com uma horda de puxa-sacos em volta) e leva o próprio corpo a um paroxismo tão próximo da abstração e da incompreensão, juntamente com esquetes diretamente inspirados nos desenhos animados (o voo das borboletas supostamente mortas num quadro é um dos exemplos disso).

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

2869 - A GAROTA DINAMARQUESA

    
A GAROTA DINAMARQUESA (THE DANISH GIRL, USA/DENMARK, 2015) – Tanto Alicia Vikander quanto Eddie Redmayne são atores de imensa expressão física. Os dois encontram nos personagens deste filme o lócus perfeito para transmitirem todas as emoções de uma história com alto potencial dramático: a do pintor dinamarquês Einar Wegener, que na década de 20 foi um transgênero pioneiro e passou a ser Lili Elbe – uma transformação radical não só para ele, mas também para sua mulher, a artista Gerda Wegener. Redmayne como Einar/Lili consegue chegar a um limite arriscado na composição de uma figura tão difícil e intensa quanto o Stephen Hawking de A TEORIA DE TUDO. Há um certo momento em que ele parece que vai nos cansar com os trejeitos da mulher que emerge dentro dele, mas, logo em seguida, tudo volta à normalidade, e Redmayne toma de vez o controle do personagem de forma definitiva, embora muita coisa potencialmente interessante se perca nesta passagem. Mas é Alicia Vikander que realmente impressiona na pele da esposa que quer ajudá-lo, mas naturalmente também quer impedi-lo; quer compreendê-lo, mas está cada vez mais confusa; e quer reconquistá-lo, embora já o veja mais como mulher do que como o homem com quem casara. A segunda parte do filme possui uma representação mais pobre, quase uma “soap-opera” em que se abusa das emoções mais simplistas para se chegar a um resultado razoavelmente dramático.

2868 - DEXTER - PRIMEIRA TEMPORADA

1   
DEXTER – TEMPORADA 1 (DEXTER – FIRST SEASON, USA 2006) – A premissa da série – um serial-killer que mata outros serial-killers – é original e permite que criemos uma empatia com um personagem que teria tudo para ser condenado, não fosse a sua complexidade existencial e a perfeita atuação de Michael C. Hall, no papel-título. Durante o dia, Dexter é um técnico que analisa manchas de sangue para a polícia de Miami. Durante a noite, ele se encarrega de fazer uma limpa no “bas fond” do universo da criminalidade local. Tudo isso se deve à sua história de vida – adotado por um policial, Dexter é instilado com um “código” bem peculiar que seu pai adotivo vai passando para ele em “flash-backs” que perpassam toda a primeira temporada. Mistura bem dosada de C.S.I e O SILÊNCIO DOS INOCENTES, Dexter nos apresenta um personagem extremamente complexo e instigante que vive sob uma agonia constante para esconder seu lado psicopata, cuja humanidade está exatamente na tentativa de escondê-la. Sim, porque Dexter, compreensivelmente, tem grandes dificuldades para externar emoções, e é exatamente aí que Michael C. Hall acerta na composição de um personagem que, a cada episódio, aprofunda a dicotomia entre bem e mal, certo ou errado, moral ou imoral, simplificando formas de condutas primais que estabelecem imediata conexão com o espectador. Os diálogos são muito bem construídos, mas o que impressiona mesmo é o monólogo interno de Dexter, em off, mapeando suas reflexões, certezas e poucas dúvidas. Isso funciona como se estivéssemos pensando junto com ele, quase adivinhando o que vem a seguir, à medida que nos tornamos íntimos de uma pessoa que evita a todo custo intimidade e que, por isso mesmo, está mais próximo de nós do que conscientemente gostaríamos. Os personagens complexos e “damaged” compõem à perfeição uma série tão irresistível quanto a compulsão que Dexter tem de matar.




segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

2867 - ENCONTROS E DESENCONTROS

     
 ENCONTROS E DESENCONTROS (LOST IN TRANSLATION, USA 2003) – Não sei se é a primeira cena do filme, com a câmera mostrando em toda a sua amplitude, o “derrière” de Scarlett Johansson, numa lingerie cor de rosa; não sei se é a chance de vê-la perdida na imensidão de Tóquio, olhando a cidade pela janela do hotel, querendo apenas alguém para conversar; não sei se é o ar encantadoramente blasé de Bill Murray, como um ator que vai à capital japonesa para fazer um comercial de whisky; não sei se são as cenas em que ele tenta se comunicar com os japoneses, todas elas hilariantes, sem que o filme seja propriamente uma comédia, mas sim um interessante estudo sobre a solidão que se amplifica nas grandes metrópoles, talvez porque a trazemos dentro de nós mesmos, aonde quer que vamos; não sei se é a história do encontro definitivo de duas procuras existenciais, uma muito diferente da outra, mas, ao mesmo tempo tão parecidas; não sei se é porque o filme também mostra, entre tantas coisas, que a comunhão entre duas almas gêmeas, por mais díspares que pareçam, pode ser possível, apesar de tudo em volta ser contrário ou mesmo hostil; não sei se é apenas por causa de Scarlett, seu olhar enviesado, sua boca obscenamente entreaberta, sua voz perpassante, seu destemor diante da vida, do imponderável, de tudo aquilo que não se pode traduzir em palavras ou sentimentos, que considero este filme a resposta para muita coisa que sinto, mas que não sei dizer, coisas que são construídas pelo olhar, sentido e verbo, de Scarlett, cujo nome encerra a cicatriz que carregamos na alma e desperta o desejo mais refinado que o olhar menos distraído pode proporcionar.




sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

2866 - ENQUANTO SOMOS JOVENS

        
ENQUANTO SOMOS JOVENS (WHILE WE’RE YOUNG, USA, 2014) – Interessante abordagem de um tema contemporâneo, mas pouco discutido em profundidade. Josh e Cornelia (Ben Stiller e Naomi Watts) são um casal de meia idade que sofrem de vários males associados à sua geração – indecisão, adolescência prolongada, desencanto generalizado, desencanto diante do que já fez na vida e do que não irá mais fazer. Ao encontrar Jamie e Darby (Adam Driver e Amanda Seyfried), um jovem casal descolado, avaliam que eles são tudo aquilo que gostariam de ter sido, sem neuroses ou frustrações. É deste encontro inesperado que o diretor Noah Baumbach vai gerando reflexões sobre o novo e o ultrapassado em nossa sociedade, os modismos da pós-modernidade e, sobretudo, sobre os valores intrínsecos de uma cultura que, em geral, considera, equivocadamente, tudo que é velho ruim e tudo que é novo bom.  O estilo hipster do casal jovem, em oposição à zona de conforto do Josh e Cornelia, provoca em todos uma reflexão sobre valores e aspirações num mundo líquido tão descartável como o nosso atualmente.




2865 - POR AMOR A SPOCK

  
POR AMOR A SPOCK (FOR THE LOVE OF SPOCK, USA 2015) – Adam Nimoy faz uma bela homenagem a Leonard Nimoy, neste documentário sensível sobre a carreira e a influência do seu personagem mais famoso na cultura pop. Entrevistado por Zachary Quinto (o Spock dos filmes recentes), Adam dá depoimentos emocionantes sobre sua relação conturbada com o pai durante a sua juventude e a reaproximação carinhosa que aconteceu anos mais tarde. Entre as qualidades do documentário está a discussão sobre as consequências do culto às celebridades e o quanto isso afetou a vida de Leonard e de sua família. William Shatner e os outros companheiros de elenco são entrevistados e falam de como Nimoy mergulhou no personagem de maneira intensa, amplificando sua representação para além do seriado. No fim, ficamos com a certeza de que, ao contrário de Spock, o personagem, frio e calculista, Leonard Nimoy foi um homem carinhoso, dedicado à família e profundamente sensível. Vida longa e próspera à memória de uma das mais importantes personalidades dos tempos modernos.  



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

2864 - TUBARÃO 2

TUBARÃO 2 (JAWS 2, USA 1978) – Sequência tolerável da obra-prima de Spielberg, realizada 4 anos antes, com o notável Roy Scheider reprisando seu papel como o Chefe de Polícia, Martin Brody. Era evidente que nada poderia superar o primeiro TUBARÃO, filme definitivo sobre o tema. Esta continuação, mesmo bem abaixo das expectativas, apresenta algumas boas cenas de susto, dirigidas com razoável competência por Jeannot Szwarc (ALGUM LUGAR NO PASSADO). Scheider, único remanescente do trio de protagonistas do filme original – Richard Dreyfus e Robert Shaw - vive com perfeição o personagem pelo qual ficou famoso.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

2863 - CAROL

1  CAROL (CAROL, USA, 2015) – Esta adaptação do romance THE PRICE OF SALT, de Patrica Highsmith, conta a história de duas mulheres bem diferentes (Cate Blanchet e Rooney Mara) que se apaixonam inesperadamente na Nova Iorque dos anos 50. O que mais chama a atenção é a interpretação quase inane das duas protagonistas – Cate Blanchet parece estar deslumbrada com sua versão quase blasé de uma socialite entendiada com a vida e com o casamento falido, e Rooney Mara parece um pouco mais viva do que uma boneca de cera, forçando uma inocência que nunca aparece na tela. A aproximação lenta das duas culmina na cena de sexo menos sensual já produzida pelo cinema, na qual os movimentos são tão artificiais, lentos e programados que nos custa a acreditar que haja paixão ali. Cate, inegavelmente uma ótima atriz, só resgata seu ofício numa única cena, na qual discute a guarda da filha com o marido, num escritório de advocacia.



2862 - A MOSCA

1.     
  A MOSCA (THE FLY, USA, 1986) – Clássico da ficção científica de horror dos anos 80, A MOSCA ainda é um exemplo de cinema com alma – desde a concepção do roteiro aos efeitos especiais mecânicos que, curiosamente, acabam por dar mais vida ao processo kafkiano no qual se mete Seth Brundle (Jeff Goldblum) quando, ao testar seu experimento de teletransporte, vai se transformando numa mosca e, gradualmente, perdendo sua humanidade. Este processo é mostrado com rara maestria por David Cronenberg, através de cortes precisos e manipulação ágil da câmera, quando nem se sonhava com os CGIs de hoje em dia, nem todos satisfatórios, diga-se. Sob a ótica existencialista, A MOSCA é um filme devastadoramente perturbador, pois condensa, num processo metafórico perverso, a decadência humana pela qual todos passamos. A história, contada com tão intensa repugnância, faz os espectadores se sentirem tão perdidos e sem esperança quanto seu protagonista. Rejeição, inadequação social, mutações físicas e psicológicas apresentam semelhanças e diferenças entre o destino de Gregor Samsa e esta obra cinematográfica, ambos ótimos materiais para um exercício de literatura comparada. O conceito deleuziano de “devir” também pode ser explorado numa análise mais aprofundada, pois, como se vê no roteiro, tudo pode acontecer e mudar a ordem das coisas. Cronenberg põe o foco nas consequências psicológicas oriundas dessa mudança na vida de Seth que colocam a produção no patamar de um dos melhores filmes que discutem o impacto da ciência e das diatribes sociais no bojo da sociedade contemporânea. É uma reflexão muito oportuna sobre a natureza da mortalidade humana, num filme que é muito mais sobre ideias do que efeitos especiais “per se”. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

2861 - O HOMEM QUE VIU O INFINITO

1  
O HOMEM QUE VIU O INFINITO (THE MAN WHO KNEW INFINITY, UK, 2015) – Antes de Einstein, houve Srinivasa Ramanujan. Este fato pouco conhecido fora da comunidade acadêmica é a razão deste belo filme que, acima de tudo, é também uma homenagem a uma verdadeira relação de amizade, respeito e admiração, fenômeno raro no ambiente intramuros das grandes universidades do mundo, em qualquer época. A universidade em questão é a Trinity College, em Londres, em 1910, para onde vai Ramanujan (Dev Patel, excelente), depois de deixar na sua terra natal, a Índia, a mãe a e esposa. Ele quer ser reconhecido pelo trabalho original que iria influenciar todo o pensamento matemático a partir de então. Mesmo não tendo tido educação formal, Ramanujan vai, aos poucos, impressionando a comunidade acadêmica de Trinity e se torna amigo do professor G. H. Hardy (Jeremy Irons, soberbo, como sempre). À parte a incrível história deste indiano, é o aprofundamento da amizade dele com Hardy que torna o filme um exemplo único de sensibilidade e de certa humanização das ciências exatas, pois o conflito inicial entre religião hindu e ciência do Velho Mundo vai dando novas perspectivas da interação daquilo que pode e do que não pode ser provado. Aduz-se a isso uma oportuna reflexão sobre a xenofobia (bem antes de Trump), pois Ramanujan é alvo do desdém dos professores invejosos da sua capacidade e da agressividade gratuita dos que o consideram um inimigo por absurdas razões étnicas.



segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

2860 - O TERROR DAS MULHERES

1     
O TERROR DAS MULHERES (THE LADIES MAN, USA 1961) – Uma das comédias icônicas da carreira de Joseph Levitch, a.k.a Jerry Lewis, este filme traz, como uma atração à parte, o gigantesco set construído como uma casa de bonecas e uma fotografia colorida hipnotizante. Lewis, que dirige a si mesmo, parece não conter seu histrionismo em muitas cenas, que ficaram meio “over”. Talvez, um diretor linha dura pudesse dar um contorno mais restrito a algumas gags que destoaram da série de esquetes em que se transformou a história, do meio para o fim. É exatamente aí que Lewis – que é um gênio da comédia, sem qualquer dúvida – se excede e perde a oportunidade de podar um roteiro simplista, cuja única função é oportunizar a fisicalidade de seu timing cômico. Atenção para a melhor cena do filme, com o lendário Buddy Lester: ele senta no chapéu de um dos visitantes da casa (Lester) e faz tudo para consertar a gafe. Em duas palavras: hilariamente memorável. Usando gruas para filmar as cenas, Lewis consegue tomadas perfeitas, todas enquadradas num ritmo frenético de humor. O plano-sequência em que mostra as moças em quartos diferentes, em diversas atividades, enquanto a câmera atravessa o cenário recortado, é simplesmente genial. De fato, ele tinha pleno domínio do seu ofício e foi tão inovador quanto, por exemplo, Godard para o cinema francês. Uma trívia cinematográfica: Lewis foi professor de cinema de Spielberg e George Lucas, na Universidade da Califórnia. E amigo íntimo de John Kennedy.   



domingo, 8 de janeiro de 2017

2859 - DE VOLTA AO JOGO

  
DE VOLTA AO JOGO (JOHN WICK, USA 2014) – O roteiro não é original: um ex-assassino aposentado volta à ativa, depois de ter sofrido umas maldades de uma máfia russa. Não, não é Liam Neeson, em mais um BUSCA IMPLACÁVEL (TAKEN). O vingador da vez é Keanu Reeves, o John Wick do título. É um filme que deve ser visto de maneira despretensiosa, já que, depois dos primeiros 30 minutos, a história descamba para uma paródia não assumida, pois se tem a impressão de que nem os personagens se levam a sério. Keanu Reeves não precisa usar suas econômicas expressões faciais para dar a dimensão de “ex-exterminador-incompreendido-pelo-mundo” que seu John Wick tenta transmitir. Por outro lado, temos, em abundância, uma litragem de sangue pouco vista nas produções americanas mais recentes. Todos os clichês do gênero estão lá, o que não torna DE VOLTA AO JOGO (que título, hein?) um bom filme, mas apenas um razoável produto comercial para os menos exigentes.  



sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

2858 - O PROFESSOR ALOPRADO

     
O PROFESSOR ALOPRADO (THE NUTTY PROFESSOR, USA 1963) – Este é um dos filmes mais importantes da carreira de Jerry Lewis, principalmente por não ser a comédia escancarada que se espera de um ator que fizera DELINQUENTE DELICADO (1957) e O TERROR DAS MULHERES (1961). THE NUTTY PROFESSOR tangencia elementos da bipolaridade humana – Dr. Jeckill e Mr. Hyde e laivos faustianos são referências recorrentes durante a história que lida com a fantasia da metamorfose. O professor Julius Kelps (Lewis), que é o que hoje se chamaria de “nerd”, tenta superar suas deficiências estéticas e sociais ao desenvolver uma poção que o transforma em Buddy Love, um homem bonito, descolado, com aquele jeito de malandro que se dá bem em tudo (percebam como, desde esta época, este padrão de virilidade está estabelecido). Ao criar uma nova persona, Kelps projeta a disparidade entre seus desejos sexuais (está apaixonado por Purdy, a belíssima Stella Stevens) e a competência para realizá-los num novo personagem que, de certa forma, é um “upgrade” (no seu entendimento primário) dele mesmo. Ou seja, o professor desajeitado (talvez um título melhor para o filme) sofre “bullying” dos alunos e dos seus superiores, o que, entre outros fatores, o leva a concluir que nunca será objeto do amor de Purdy. Seu ego substituto é, em princípio, um modelo de protesto masculino e de comportamento compensatório, já que, quando em cena, aparece em cores chamativas e com uma postura empertigada, em contraste com o acanhado Kelps. É exatamente aí que THE NUTTY PROFESSOR introduz uma alegoria fálica, na qual Love representa Kelps em um estado ereto, ativo e ameaçador. Além disso aponta para uma análise do status do homem numa cultura que, então e ainda, vive apontando para suas falhas estruturais e, assim, incentivando a agressividade e competição desmedida como características imanentes ao gênero masculino. Isso é demonstrado através da constante irregularidade do alter-ego de Kelps – sua transformação num Übermensch nietzschiano é temporária, pois os efeitos da poção não duram nem umas poucas horas, denunciando sua superficialidade. Depois de um tempo, Kelps se dá conta de que seu objetivo maior – a conquista do amor de Purdy – só se dará com a aceitação de sua verdade, da sua real personalidade, cujas qualidades se superpõem a tudo que é imposto culturalmente como certo, obrigatório e definitivo. Por outro lado, o roteiro, se visto sob uma ótica mais perfunctória, tem a ver com o eterno esforço para conquistar a menina mais bonita da escola, empresa recorrente em várias manifestações culturais humanas, principalmente no cinema.



quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

2857 - ELVIS & NIXON

1  
ELVIS & NIXON (USA, 2016) – Os anos 70 foram mesmo muito loucos. Só uma década assim poderia produzir um dos encontros mais insólitos de todos os tempos: Elvis Presley e Richard Nixon, na Casa Branca. Mas por quê? Bem, Elvis era mais conservador do que se imagina e se ofereceu para atuar como agente federal incógnito (com aquelas costeletas????), com o intuito de infiltrar-se entre subversivos. No fundo, o que o mimado Rei do Rock queria era um distintivo do FBI para juntar à sua coleção. Interpretado com magistral contenção por Michael Shannon, ele não é capaz de externar este desejo nem para si mesmo, pois toda e qualquer aspiração sua adernava num mar interior de inseguranças, comportamentos imaturos e compulsões narcisistas. Shannon, por sinal, não faz a mínima questão de se parecer com Elvis, e é exatamente por isso que sua atuação é estupenda. Agora, Kevin Spacey é um destaque como um Nixon caricatural (que era o próprio Nixon em essência), ressentido e atormentado pela falta de atributos físicos, brilhantismo e carisma. O encontro inusitado, talvez nem tão diferente do que foi realmente (não havia gravações no Salão Oval naquela época), é um daqueles momentos que vão ficar para sempre na memória do cinema. Entre os diálogos inesperados e mordazes, os dois vão, pouco a pouco, mostrando o pavor que sentiam de serem esquecidos pela História ou se transformarem em figuras irrelevantes nos campos políticos e do entretenimento, respectivamente. São, de certa forma, representantes das forças contraditórias que definiram os anos 70 como uma década de paranoia e de relações de poder ultrapassadas que, por desesperada tentativa de sobrevivência, não entendiam as transformações sociais, culturais e políticas que eclodiam no mundo inteiro. O destino cruel destes dois personagens epitomam as tragédias comuns ao showbiz ostentação e ao mundo da política sem ética. 
  

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

2856 - MALUCOS DO AR

MALUCOS DO AR (JUMPING JACKS, USA 1952) – Uma das boas comédias realizadas por Dean Martin e Jerry Lewis. O comediante Hap Smith (Lewis) inicia uma nova série de humor na companhia da sublime Betsy Carter (Mona Freeman) já que seu antigo parceiro Chick Allen (Martin) alistou-se as forças armadas. Mas, Chick continua com os shows de humor, desta vez apresentando-se para os soldados do regimento, o que deixa o comando militar de cabelo em pé. Com o receio de ser afastado da corporação, Chick pede o auxílio de Hap, que constrói um falso disfarce como soldado. Um dos aspectos mais interessantes do filme é mostrar como eram feitos os treinamentos dos paraquedistas nas academias militares daquela época.

2855 - ANTES SÓ DO QUE MAL CASADO

ANTES SÓ DO QUE MAL CASADO (THE HEARTBREAK KID, USA 2007) - Benjamin Edward Meara Stiller quase sempre faz o papel de misfit em seus filmes – a sensação de despertencimento que exala de sua figura inocente e patética já passou a ser sua marca registrada e, diga-se, nós adoramos isso. Neste filme, ele casa apressadamente com uma garota que acabara de conhecer, achando-a a quintessência das maravilhas. Logo no primeiro dia da lua de mel, ele começa a se incomodar com a verdadeira personalidade da esposa, até se convencer de que não tem nada em comum com ela. Sensação que se confirma quando conhece Miranda (Michelle Monaghan), no mesmo resort em que está hospedado. Há vários momentos engraçados, embora previsíveis. Stiller é daqueles atores com os quais estabelecemos uma imediata empatia, principalmente porque seus personagens não se esquivam das situações mais esdrúxulas e constrangedoras. Foi assim em QUEM VAI FICAR COM MARY (1998), DUPLEX (2003) e tantos outros. Por outro lado, ele se destacou no ótimo e também dramático A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY (2013), com um papel difícil do qual só um ator com características tão especiais pode dar conta.