terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

2910 - JASON BOURNE

    
JASON BOURNE (USA, 2016) – A retomada de Matt Damon ao personagem e de Paul Greengrass à direção fazem deste quarto episódio canônico da série (descarte O LEGADO BOURNE, com Jeremy Renner) um eletrizante thriller de ação, com tudo que o cinema de alta qualidade pode oferecer. Sequências de tirar o fôlego e a atuação mesmerizante de Damon são as grandes atrações de JB. Damon dá a Bourne uma dimensão mais madura, mais ressentida e devastadoramente mais desencantada, o que reflete a trajetória em busca da sua identidade e das verdadeiras circunstâncias que o transformaram num agente dotado de tal letalidade. A estética de ação criada por Greengrass, mas apurada nesta edição, dá um ritmo alucinante ao roteiro que enfoca os usos e abusos que as agências de inteligências praticam, nem sempre com ética e bom senso. JASON BOURNE é um filme magnífico, como um ator magnético e carismático, cuja atuação magistral é uma das razões para o cinema ser tão apaixonante.  

2909 - A CHEGADA

   
 A CHEGADA (ARRIVAL, USA, 2016) – Esta obra-prima do diretor Dennis Villeneuve não é uma ficção científica no sentido mais comercial e palatável do termo – não espere encontrar batalhas intergaláticas, aliens estereotipados, lasers e coisas do gênero. Tudo aqui é mais cerebral, mais intimista, muito mais para 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO e do genial INTERESTELAR, do que STAR TREK ou WARS. Doze naves alienígenas aparecem em todo o planeta, gerando medo e desconfiança. Precisa-se saber do que se trata. Mas como sabê-lo? Os gigantes de meio quilômetro de altura estão suavemente flutuando perto do chão, quase um chamado para serem tocados, e não parecem ser agressivos. A forma é de uma elipse negra, sem arestas nem saliências, lembrando, à primeira vista (vista?) uma enorme lente de contato – já seria isso uma pista importante: teriam eles chegado para nos ensinar a ver melhor? É necessário que se estabeleça uma comunicação. A Dra. Louise Banks (Amy Adams, perfeita no papel), professora e linguista, é convocada pelo exército para que se inicie algum tipo de diálogo com os alienígenas através de um idioma comum. A partir daí, desperta nela – e em nós – uma curiosidade existencial que traz uma série de indagações sobre o real motivo da visita. Em vez da costumeira pirotecnia a laser, o maior obstáculo é a comunicação – ou a falta dela. Villeneuve, em sua carreira, demonstra uma versatilidade de gêneros: INCÊNDIOS, o sensacional O HOMEM DUPLICADO e SICÁRIO são exemplos da sua abrangente concepção direcional. Em todos, uma característica: ele não mastiga nada para os espectadores e tem na reviravolta narrativa sua marca registrada, sempre com domínio total dos aspectos técnicos como fotografia, direção de arte, trilha sonora e montagem. O roteiro brilhante tangencia vários temas, sendo que o principal é o da não linearidade do tempo. Isto já fica evidente nos “flashbacks” que ocorrem a Louise, mas que, no fundo, podem ser também “flashforwards”, na medida em que ela começa a entender a escrita circular dos aliens, uma espécie de holograma que é a própria representação do filme. Há uma simetria “kubrickiana” na representação das naves alienígenas, como o monolito de 2001 - UMA ODISSEIA... que, tal como a espada de Dâmocles, paira sobre a humanidade confusa e indecidida. O fato mais relevante da história é este: é necessário que seres de outro planeta venham nos advertir que, se não aprendermos a nos comunicar entre nós mesmos, a humanidade terá o destino da destruição. É quase inaceitável que, com toda a tecnologia atual, caracterizada como a era da comunicação, os humanos tenham tanta dificuldade de ouvir e de serem ouvidos, de trocar ideias, de se colocar no lugar do outro, sem agressão ou intolerância. O filme de Villeneuve é uma aula sobre a civilidade, o altruísmo e, sobretudo, sobre a importância de exercer a linguagem com perfeição, pois ela pode ser a arma mais poderosa deste e de outros mundos. 
     

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

2908 - A QUALQUER CUSTO

    
Ben Foster e Chris Pine
A QUALQUER CUSTO (HELL OR HIGH WATER, USA 2016) – O diretor David Mackenzie (do estupendo OS SENTIDOS DO AMOR) trouxe, mais uma vez, a propulsão narrativa e a dramaticidade do faroeste, num roteiro contemporâneo, amplificando a cultura e a geografia do Oeste do Texas, onde portar uma arma (e atirar com ela) é um fato tão comum como beber uma cerveja num dos muitos bares da região. Chris Pine e Ben Foster são dois irmãos de personalidades opostas que roubam bancos em sequência, até despertar a atenção de um xerife à beira da aposentadoria (Jeff Bridges, em atuação antológica), que passa a persegui-los para que sejam o troféu do desfecho de sua carreira. A amplidão das paisagens do meio oeste americano é de uma beleza estonteante e ajuda a emoldurar um dos melhores filmes deste ano, tanto que teve quatro indicações ao Oscar, inclusive a de Melhor Ator Coadjuvante, para Bridges.  

       

2907 - A SENHORA DA VAN

    
Maggie Smith e Alex Jennings
 A SENHORA DA VAN (THE LADY IN THE VAN, Inglaterra, 2015) -O dramaturgo Alan Bennett transformou sua experiência pessoal com uma septuagenária sem teto que passou quinze anos morando numa van em frente à sua casa, em Londres, em uma peça de sucesso e neste filme dirigido por Nicholas Hyter. Claro que a grande razão para este êxito é a atuação de Maggie Smith como a senhorita Shepherd (tanto no teatro quanto nas telas) que, aos 81 anos, domina as atenções com sua voz esganiçada, seu jeito altivo, irascível, mas também inteligente e autoritário. É primoroso também o trabalho de Alex Jennings no papel de Bennett, que vive dialogando com uma projeção sua, num recurso que costura suas divagações sobre como lidar com a hóspede involuntária que, ao fim, redimensiona sua relação com a própria mãe. É uma boa oportunidade de ver o humor ácido e singular dos ingleses aplicado em situações tanto cotidianas quanto inesperadas.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

2906 - NO CORAÇÃO DO MAR

   
  NO CORAÇÃO DO MAR (IN THE HEART OF THE SEA, USA, 2015) – Dirigido por Ron Howard (APOLLO 13, UMA MENTE BRILHANTE e RUSH), de maneira clássica e épica, o filme relata a já conhecida história escrita por Herman Melville, sobre o ataque que o navio Essex sofre por uma incomum baleia-branca que o persegue com uma deliberação inatural, até fazê-lo em pedaços. São angustiantemente belas a cenas de ação no mar, colocando em lados opostos a obstinação da tripulação, que gradativamente é aniquilada, e os gigantes marinhos que, ao se defenderem da caça predatória e insana, representam também o absurdo de uma batalha que, ao fim, todos saem perdendo. É impactante a cena em que uma grande porção de mar fervilha de cachalotes, fonte do óleo que, no século XIX, iluminava o mundo. Destaque para Chris Hemsworth, como o imediato Owen Chase e para o maravilhoso Brendan Gleeson, como um dos oito homens que voltaram do périplo e que, anos mais tarde, reconta a saga para um jovem Melville (Ben Whishaw), então um escritor modesto, mas com faro para uma boa história.      

2905 - CONTÁGIO - EPIDEMIA MORTAL

    
 CONTÁGIO EPIDEMIA MORTAL (MAGGIE, USA, 2015) – A piada é inevitável: o gênero de filmes de zumbis ainda vive. Quem embarcou na onda, desta vez, foi Arnold Schwarzenegger e, diga-se, com uma feliz escolha de roteiro. MAGGIE não é exatamente como seus congêneres, como quer sugerir o título forçador de barra em português – conta a história de Maggie (Abigail Breslin), infectada por um vírus que, em breve, vai transformá-la em uma morta-viva. O que há de diferente aqui é a relação com seu pai (Arnoldão) que, amoroso ao extremo, fica ao seu lado o tempo todo, nunca a deixando desamparada e minimizando a discriminação da sociedade em relação a filha doente e deprimida. O fator zumbi aqui é o menos importante – Maggie poderia estar em qualquer outra situação em que, potencialmente, fosse marginalizada. O mais importante do roteiro é o foco no amor de um pai capaz de tudo para proteger a filha da morte social antecipada. Arnold Schwarzenegger tem, possivelmente, o melhor papel da sua vida, numa atuação contida, sofrida e extremamente convincente. Algo parecido com que aconteceu com o parceiro Stallone, em CREED.      


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

2904 - LION, UMA JORNADA PARA CASA

  
Dev Patel, perfeito
 LION, UMA JORNADA PARA CASA (LION, USA 2016) – Um garoto de cinco anos perdido nas ruas frenéticas de Calcutá, a milhares de quilômetros de casa, passando por todos os perigos desta aventura involuntária (e, mais impressionante ainda, escapando deles), até ser adotado por um casal australiano para, 20 anos depois, mergulhar no mistério de quem ele seria, de onde teria vindo e do que teria acontecido com sua mãe e seu irmão, obsessão a qual ele demoraria outros cinco ou seis anos ainda para solucionar.. É assim, baseado numa história real, que o diretor Garth Davis nos traz um dos filmes mais emocionantes dos últimos tempos. Sim, LION é um filme sentimental para pessoas sentimentais, e não há nada de errado nisso. Mostra, com delicadeza e sensibilidade, como, às vezes, os indivíduos mais frágeis são capazes das maiores proezas por causa de sua obstinação e resiliência. A primeira parte do filme trata, com maestria, de como Saroo (o encantador e solar Sunny Pawar) se perde do irmão e tem que lutar contra todo um ambiente hostil de uma cidade desumana para sobreviver. Em uma cena linda, Saroo imita os gestos de um rapaz que toma sopa num restaurante – a esta altura, já estamos totalmente envolvidos com uma história magistral pela maneira como ela registra o turbilhão por que passa Saroo. Aos 25 anos, o estupendo Dev Patel vive o personagem que descobre em si a vontade de reencontrar a família perdida e se põe a procurá-la pelo Google Earth. As emoções que perpassam Saroo nesta etapa de sua vida ganham uma força incomum na interpretação cativante de Patel. LION comove porque nos traz para dentro de uma busca que todos, de uma forma ou de outra, fazemos dentro de nós mesmos. 

2903 - VOLCANO, A FÚRIA

    
   VOLCANO, A FÚRIA (VOLCANO, USA 1997) – Mais um exemplo de um filme-catástrofe que é realmente um desastre, em todos os seus aspectos. Os clichês do gênero, quando bem usados, podem funcionar perfeitamente, mas o diretor Mick Jackson (de O GUARDA-COSTAS, com Kevin Costner) parece que resolveu se limitar à situações mais comuns neste tipo de roteiro: um pai-herói ((Tommy Lee Jones) tentando salvar a filha, enquanto rios de lava tomam conta das ruas de Los Angeles, para o espanto de seus habitantes. Já vimos isso em algum lugar, não? Convenhamos, o real desastre natural, aqui, é um roteiro repleto de imprecisões científicas e lugares-comuns que nos fazem perguntar como tiveram coragem de lançar um filme assim.  

2902 - ALÔ, ALÔ, TEREZINHA!

   ALÔ, ALÔ, TEREZINHA! (BRASIL, 2009) – Apesar dos prêmios que recebeu, o documentário sobre o Chacrinha é decepcionante. Focalizando o mundo cão dos bastidores do programa, dá uma relevância duvidosa às fofocas envolvendo as chacretes e os candidatos a cantor que foram desclassificados pela buzina do Velho Guerreiro, tudo em tom de escárnio, na maior parte das vezes. De qualquer forma, é uma oportunidade de rever o fenômeno de comunicação que foi o programa do Chacrinha durante tantos anos.

2901 - UM NOITE NO MÉXICO

   
UMA NOITE NO MÉXICO (A NIGHT IN OLD MEXICO, USA 2013) – O grandíssimo Robert Duvall é Red, um rancheiro que vai ao México com seu neto e se vê envolvido com um dinheiro roubado, numa “road trip” cheia de reviravoltas. Robert Duvall é um desses atores que valorizam todo personagem que lhes é dado, tornando-o, às vezes, muito maior do que o filme em que estão. É provável que este seja o caso aqui – o roteiro faz lembrar o PERFUME DE MULHER, com Al Pacino, embora sem a mesma pujança. Mas Duvall mostra que é um ator comprometido com a verdade de seu personagem, um velho cowboy urbano para quem a aposentadoria não é uma opção. No elenco, ainda temos, Angie Cepeda, a melhor exportação da Colômbia em muitos anos.  

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

2900 - HORAS DE DESESPERO

  
 HORAS DE DESESPERO (NO ESCAPE, USA, 2015) – A família de Jack Dwyer (Owen Wilson) vai para um país na Ásia, onde ele vai ocupar uma posição profissional numa companhia americana. Acontece que eles chegam exatamente quando estoura um golpe de estado e passam a ser perseguidos pelos opositores do regime, que são contra o controle dos recursos hídricos que esta empresa americana pretende exercer no país. A partir daí, Jack, a esposa e as duas filhas se põem a fugir de todas as maneiras da ira dos revoltosos, todos com um figurino de terroristas e chefes de gang. Pierce Brosnan, num papel meio forçado, coloca sua experiência como ex-James Bond a serviço da proteção da família Dwyer. NE é um bom thriller de ação, com ritmo intenso, que põe o espectador no meio da confusão, sem tempo para respirar. Wilson está bem como o pai de família capaz de qualquer coisa para proteger a mulher e as filhas, embora o roteiro exagere, em alguns momentos, nas situações de heroísmo.   

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

2899 - A OUTRA

A OUTRA (THE OTHER BOLEYN GIRL, USA, 2008) – O centro da história é a briga de duas irmãs, Ana e Maria Bolena (Natalie Portman e Scarlett Johansson) pela atenção de Henrique VIII (Eric Bana), o rei da Inglaterra. Não há espaços para personagens multifacetados aqui – Ana é má, Maria é boa e o rei é um viciado em sexo que parece envergonhado de, digamos, não sossegar o facho. As irmãs foram convencidas por seu pai e tio ambiciosos a aumentar o status da família tentando conquistar o coração do rei. Elas são levadas à corte e logo Maria conquista o monarca, dando-lhe um filho ilegítimo. Porém isto não faz com que Ana desista de seu intento, buscando de todas as formas passar para trás tanto sua irmã quanto a rainha Catarina de Aragão (Ana Torrent). Natalie Portman, de fato, se sobressai no seu papel de vilã, mas a beleza e a suavidade de Scarlett, seu contraponto dramático, ajuda muito na construção da sua persona.

2898 - CREED

     
CREED (CREED, USA, 2015) – O diretor e roteirista Ryan Coogler mergulha de cabeça no sentimentalismo com CREED, mas o resultado não poderia ser melhor, principalmente porque conta com Sylvester Stallone revisitando o personagem que lhe deu fama, Rocky Balboa. Aqui, idoso e aposentado, Balboa se transformou num poço de meiguice que, apesar da reticência inicial, topa treinar o filho bastardo de Apollo, Donnie (o elétrico Michael B. Jordan), que o procura com o boxe no sangue. O filme reproduz o “modus operandi” do clássico de 1976: a afeição genuína entre o lutador e seu treinador, a namorada que humaniza ainda mais o protagonista, a luta que o projeta para a fama e o ambiente proletário da Filadélfia. Aliás, as cenas de luta são uma verdadeira obra de arte. A do primeiro desafio de Donnie, com dois rounds filmados em uma tomada só, sem cortes, é de entrar para a história do cinema. Para completar, CREED também é uma justa homenagem a Stallone, cuja obstinação e autenticidade, menos que talento dramático, o colocaram definitivamente como uma das figuras mais icônicas das telas. 

domingo, 19 de fevereiro de 2017

2897 - O NEVOEIRO

   
Laurie Holden, Jeffrey DeMunn e Frances Sternhagen
 O NEVOEIRO (THE MIST, USA 2007) -  Adaptação de uma história de Stephen King, adaptada e dirigida por Frank Darabont (produtor executivo de THE WALKING DEAD): um nevoeiro misterioso aparece numa cidadezinha do interior (há coisas que só acontecem em cidadezinhas do interior dos Estados Unidos), o que leva um grupo de pessoas a se trancar num supermercado, para fugir do ataque de criaturas supostamente alienígenas. Uma das leituras possíveis do roteiro é que, em algumas situações, o verdadeiro inimigo, mais do que uma ameaça externa, é aquele que está do nosso lado (Trump deveria ver este filme). Isso porque os conflitos mais sérios eclodem exatamente entre o grupo acuado, onde pontifica uma religiosa fanática (a estupenda Marcia Gay Harden), que açula os ânimos ao instar o grupo a acreditar que tudo o que está acontecendo é uma vingança divina. No elenco, o ótimo Toby Jones, Andre Braugher, Frances Sternhagen (a mãe de Cliff, em CHEERS) e três futuros famosos de THE WALKING DEAD – Laurie Holden, Jeffrey DeMunn e Melissa McBride.  
  

2896 - DEXTER - TERCEIRA TEMPORADA

Michael C. Hall e Jimi Smits
DEXTER – TERCEIRA TEMPORADA (DEXTER, THIRD SEASON, USA, 2008) – Esta terceira temporada se concentra num fato novo na vida do serial-killer mais adorável do planeta: alguém quer ser tornar seu melhor amigo. Este alguém é Miguel Prado (Jimi Smits, excelente), um magistrado que, em tese, referendaria a noturna atividade extracurricular de Dexter, ao perpetrar, ele mesmo, alguns “projetos socialmente higienizadores” na grande Miami. Desta forma, Miguel usa seu relacionamento com Dexter como um aprendizado das técnicas de eliminação asséptica que nosso herói tão bem domina e que é magistralmente apresentada quando vemos, em um dos episódios, como se “acaba” uma amizade. Paralelamente, Dexter descobre que vai ser pai e sua ligação com Rita se intensifica, ao mesmo tempo que o faz descobrir a possibilidade de uma vida “mais normal”. As participações do seu finado pai ficam cada vez mais interferentes, o que me levou a considerar uma influência hamletiana na ligação anímica dos dois: de fato, o nível de consciência de Dexter (assim como em Hamlet) se amplifica na medida que seu pai o questiona nas situações mais agudizadas da história, trazendo-o, eventualmente, à trilha da razão. Sim, DEXTER é, entre outras coisas, um exercício prevalência da razão sobre a emoção, o que torna as atitudes do personagem uma irresistível oportunidade para o autoconhecimento. Sócrates haveria de aprovar esta maiêutica dexteriana. 

2895 - AMANTES ETERNOS

   
Tilda Swinton descansa no colo de Tom Hiddleston
 AMANTES ETERNOS (ONLY LOVERS LEFT ALIVE, USA, 2014) – Os vampiros Adam e Eve (Tom Hiddleston e Tilda Swinton), neste ótimo filme de Jim Jarmush, estão mais desiludidos do que nunca: sua existência está ameaçada pela contaminação generalizada do sangue humano e, sacada genial de Jarmush, pela vulgaridade e pela imaginação pobre dos tempos atuais. Não se encontram mais gênios e os humanos, a que Adam e Eve se referem como “zumbis”, são hoje seres idiotizados, sem nenhuma noção de sofisticação ou cultura. Os vampiros deste filme (e são vampiros por acaso, pois poderiam estar em qualquer outra classificação taxinômica) são como os outros personagens dos filmes de Jarmush: são “cool”, preferem a noite, têm um ar melancólico e um humor perfurocortante, juntamente com uma postura lânguida e nostálgica. É um filme para um gosto mais refinado e, talvez, para quem já não possui em si uma visão otimista (e, por isso mesmo, ingênua) da vida que poderia ter sido e não foi.    

sábado, 18 de fevereiro de 2017

2894 - LA LA LAND


Emma Stone, Ryan Gosling e LA, ao fundo
    
LA LA LAND (USA, 2016) – O filme de Damien Chazelle (de Whiplash) é uma homenagem ao cinema, ao jazz, à dança, à cidade de Los Angeles, aos amores conectados e interrompidos ao sabor dos sonhos arquetípicos que todo mundo tem, tudo dentro de uma lógica escapista, sim, mas que cumpre, com eficácia, seu papel de entreter num total “suspension of belief”, bem ao estilo de Coleridge. Há cenas que vão ficar na memória: Ryan Gosling e Emma Stone, no cinema, as mãos se procurando como dois polvos na escuridão; a dança suspensa no planetário e, claro, o dueto ao amanhecer, com Los Angeles ao fundo. Ryan e Emma estão em perfeita consonância com o ritmo do roteiro que evoca as parcerias mesmerizantes entre Fred Astaire e Ginger Rogers e nos apresenta uma situação incômoda – toda a aspiração em LA LA LAND vem invariavelmente emoldurada em frustração e amargura, sem que isso seja um demérito desta produção favorita ao Oscar deste ano. Os sonhos existenciais e os seus limites são reflexo da mistura de concreto e neon de LA, na qual a aspirante a atriz e o pianista frustrado vão se conhecendo e, assim também entendendo a dimensão libertadora da perda inexorável dos sonhos que julgávamos indestrutíveis. A última cena é devastadora, para quem tem coração.







terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

2893 - RUA CLOVERFIELD 10

   
   RUA CLOVERFIELD, 10 (10 CLOVERFIELD LANE, USA 2016) – Temos, aqui, um bom exemplo de que menos é mais. RUA CLOVERFIELD 10 é um filme enxuto – um cenário, três personagens e poucos (e pertinentes) efeitos especiais -, cuja grande matéria-prima é o senso de ritmo que o diretor estreante Dan Trachtenberg imprime em 103 minutos de plena satisfação cinematográfica. Produzido por J.J. Abrams, o filme é um saudável manifesto de que o cinema de verdade não é a quantidade de efeitos espetaculosos que o dinheiro pode comprar, mas, sim, a calibragem perfeita de tempo, composição, montagem, compressão e expansão, indução e revelação. Há, na história, elementos irresistíveis para uma boa trama: sigilo, segredo, dúvida, suspense, surpresa, uma garota (a cativante Mary Elizabeth Winstead) perdida em meio a este caos psicológico, um sujeito misterioso (o soberbo John Goodman) e uma ameaça à humanidade, que pode muito bem ser de origem alienígena. Filmes espartanos, como 10 CLOVERFIELD LANE, com um cenário, poucos atores, roteiros ágeis e inteligentes revalorizam os fundamentos do cinema.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

2892 - MAX ROSE


O grande Jerry Lewis
MAX ROSE (USA, 2013) – O filme faz parte de uma série de homenagens a Jerry Lewis em 2013 e é um emocionante registro do talento de um ator vai muito além dos personagens cômicos que o consagraram nos anos 50 e 60. Lewis, aqui, entrega uma atuação comovente como um viúvo recente que descobre que sua esposa pode tê-lo traído. Entre o choque da descoberta desta possibilidade e o redimensionamento das suas relações com o filho e a neta, Jerry Lewis se deixa levar pelos mergulhos emocionais no roteiro, comunicando todo seu universo interior apenas com o olhar. O filme, numa certa perspectiva, celebra a família, as amizades e uma nova perspectiva do entendimento do amor num momento da vida em que, para muitos, nada mais resta a descobrir.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

2891 - O PRESENTE

   
Edgerton, Bateman e Rebecca Hall
  O PRESENTE (THE GIFT, USA, 2015) Ótima estreia de Joel Edgerton (também autor do roteiro) na direção deste thriller de suspense com Jason Bateman e a bela Rebecca Hall, que, na história, são um casal (Simon e Robyn) cuja vida vai gradativamente sendo infernizada pela chegada de um amigo de infância de Simon, Gordo (Edgerton, também excelente aqui). A princípio, o que parece uma retomada de uma velha amizade vai se tornando uma tortura psicológica, durante a qual os segredos de todos os envolvidos ficam finalmente às claras. Percebe-se que o filme é uma desses delicados presentes, sem o espalhafato das embalagens coloridas dos “blockbusters”, que, ao fim, nos dão a certeza de que valeu a pena esperar. É de se notar o perfeito uso do som. Edgerton se recusa a aderir às convenções do gênero, constantemente subvertendo as expectativas do público nas possíveis soluções da história. Há, certamente, uma pegada hitchcokiana, especialmente na dúvida que suscita da ambiguidade moral dos personagens.   

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

2890 - JORNADAS NAS ESTRELAS III - À PROCURA DE SPOCK

     
JORNADA NAS ESTRELAS III  À PROCURA DE SPOCK (STAR TREK III – THE SEARCH FOR SPOCK, USA, 1984) – Depois da morte de Spock, no filme anterior, Kirk e os outros tripulantes “roubam” a Enterprise (que havia sido aposentada pela Federação), para investigar os sinais que apontam para chance de Spock estar vivo. De fato, esta continuação de A IRA DE KHAN é um pouco decepcionante – o roteiro é fraco, os atores parecem desanimados, os efeitos especiais oscilam entre razoáveis e horrorosos. No entanto, há a mística de STAR TREK redimensionada na tela grande e a revisitação, sempre bem-vinda, dos personagens icônicos que amamos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

2889 - CORAÇÃO DE LEÃO - O AMOR NÃO TEM TAMANHO




CORAÇÃO DE LEÃO – O AMOR NÃO TEM TAMANHO (CORAZÓN DE LEÓN, Argentina, 2013) – Gol da Argentina!!!! A sequência inicial que relata a situação que engatilha este maravilhoso filme de Marcos Carnevale (de ELSA & FRED) é primorosa: Ivana (Julieta Diaz, mais bela impossível), em casa, ouve uma mensagem na secretária eletrônica – do outro lado, o homem lhe comunica que achou o seu celular (que ela havia jogado longe, num acesso de irritação) e que gostaria de devolvê-lo. Ivana retorna a ligação e, a partir daí, começa uma das mais belas histórias de encontro entre duas almas gêmeas, no difícil caminho para o amor. As pressões sociais, os preconceitos, a vontade de acertar, a comunicação profunda através dos silêncios e a procura finalmente recompensada, depois de tantas dores urbanas e existenciais, tudo isso é tratado no filme com delicadeza e sensibilidade, sem apelar para soluções fáceis, pois a vida não as solicita e nem as quer. Veja, reveja, aprenda. Sinta, apenas.


sábado, 4 de fevereiro de 2017

2888 - AS VINHAS DA IRA

     
John Carradine e Henry Fonda
     AS VINHAS DA IRA (THE GRAPES OF WRATH, USA, 1940) – Esta monumental obra de John Ford, baseada no excepcional livro de John Steinbeck, sobre a saga de uma família pobre, nos anos da Grande Depressão, ainda é um dos mais emocionantes filmes jamais feitos. Não há como não se abalar internamente com a narrativa simples, direta, em preto e branco, mas, ao mesmo tempo, sensível, angustiante e profundamente verdadeira, da luta dos oprimidos conta um establishment perverso e explorador. Steinbeck consegue encapsular uma situação de opressão que, infelizmente, ainda se repete, mundo afora, com muito pouca diferença. O retrato realista que Ford alcançou neste filme ainda é impactante, pois parece nos colocar frente a frente com o sofrimento de um grupo de pessoas que luta para manter a esperança e a dignidade, diante da injustiça social e da crueldade de um sistema que se importa muito pouco com o ser humano. Um dos filmes obrigatórios, para todos, sempre. Atenção para o monólogo de Henry Fonda, aqui embaixo- um dos momentos mais tocantes da história.



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

2887 - AQUARIUS




AQUARIUS (BRASIL, 2016) – O filme pode ser entendido como uma projeção ampliada da resistência progressiva contra a opressão e o poder autoritário. É assim que a história de Clara (Sonia Braga) se desenvolve. Jornalista aposentada, viúva, com três filhos adultos, ela vive sozinha no Aquarius, um modesto edifício de dois andares esquecido entre os arranha-céus da Praia da Boa Viagem, em Recife. Uma construtora quer erguer um espigão no seu lugar, e só falta Clara vender seu apartamento. Ela, claro, resiste. E, assim, ela transforma seus dias num esforço de resistência que vai além do fato concreto armado – ela parece se transformar num monumento da obstinação, como se quisesse passar a lição muito em voga nos anos 60, de que é preciso resiliência em tudo na vida. Esta é a lição que ela parece dar, mas que, hoje em dia, poucos parecem interessados em aprender.