sábado, 21 de junho de 2025

4735 - UM HOMEM DIFERENTE (2024)

 


UM HOMEM DIFERENTE (A DIFFERENT MAN, USA, 2024) – O filme de Aaron Schimberg é um estudo sobre estética e autoconfiança, porque propõe uma reflexão sobre como lidamos mal com nossas imperfeições, enquanto há pessoas vivendo em perfeita harmonia com elas. A partir daí, o diretor e roteirista aponta um paradoxo interessante: mudar o lado externo não necessariamente altera os sentimentos dentro de nós, como mostra a personagem de Sebastian Stan, Edward, um ator sofrível, com uma deformidade facial para ele limitadora de sua felicidade. Filmado em 16mm por Wyatt Garfield, o filme tem a cor e a textura dos anos 70, e sua temática está ligada à SUBSTÂNCIA, com Demi Moore e à ETERNAL SUNSHINE OF A SPOTLESS MIND, quando a Edward é dado um presente impossível: um procedimento cirúrgico capaz de transformar sua aparência. O problema? Ele permanece sendo Edward por dentro. Isso é mostrado, sem disfarce, quando Oswald (Adam Pearson) entra em cena para revelar que os defeitos de Edward não estão na superfície da pele. Misturando comédia e cinismo, o filme explora o que acontece conosco quando nos vemos livres daquilo que acreditamos limitar nosso potencial. Além disso, o filme sublinha o peso da comparação com os outros através dos parâmetros do que entendemos como limitação física/psicológica: podemos tanto tentar mudar para nos encaixarmos nas expectativas, ou abraçar o que nos faz únicos e ser feliz, apesar dos possíveis obstáculos.  Aaron Schimberg's film is a study on aesthetics and self-confidence, because it proposes a reflection on how badly we deal with our imperfections, while there are people living in perfect harmony with them. From there, the director (and screenwriter) points out an interesting paradox: changing the external side does not necessarily change the feelings inside us, as shown by Sebastian Stan's character, Edward, a suffering actor, with a facial deformity that limits his happiness. Shot in 16mm by Wyatt Garfield, the film has the color and texture of the 70s, and its theme is linked to SUBSTANCE, with Demi Moore and ETERNAL SUNSHINE OF A SPOTLESS MIND, when Edward is given an impossible gift: a surgical procedure capable of transforming his appearance. The problem? He remains Edward on the inside. This is shown, undisguised, when Oswald (Adam Pearson) enters the scene to reveal that Edward's flaws are not merely skin deep. Mixing comedy and cynicism, the film explores what happens to us when we find ourselves free of what we choose to believe limits our potential. In addition, the film highlights the burden of comparison to others through the parameters of what we understand as physical/psychological limitation: we can either try to change ourselves for the sake of fitting in, or embrace what makes us unique and be happy, despite possible obstacles.



sexta-feira, 13 de junho de 2025

4734 - JEANNIE É UM GÊNIO - EPISÓDIO 23 - TEMP 2 (1967)

 


JEANNIE É UM GÊNIO – TEMP 2 – EPISÓDIO 23 (I DREAM OF JEANNIE - USA, 1967) – Este é um episódio interessante da série, porque o roteiro praticamente gira em torno do ator convidado, e todo o restante do elenco fica em absoluto segundo plano. E é um convidado muitíssimo especial: Sammy Davis Jr. Tony, a pedido do Dr. Bellows precisa de um astro do showbiz na festa de aniversário do General Peterson, e como Sammy não poderia participar, pois estaria num show no mesmo dia e hora, Jeannie se encarrega de fazer uma cópia dele para atender ao seu mestre. De fato, Sammy toma conta do episódio e traz um toque de Bossa Nova – numa cena, canta Garota de Ipanema, embora numa cadência mais acelerada. Larry Hagman, conhecido por ter um comportamento difícil nas gravações, se incomodou com o protagonismo de Sammy, e as tensões logo escalaram, até Barbara Eden intervir, convencendo um contrariado Sammy a terminar sua participação. Nos créditos finais, ele é identificado como “Sammy Davis Jr”, em vez do tradicional “como ele mesmo”, porque atua como um personagem, apesar de esse personagem ser o próprio Davis. Sammy enfrentou vários obstáculos na sua vida: perdeu seu olho esquerdo num acidente de carro quando ia gravar a música tema de Dominado pelo crime (1955), e isso o levou a usar um tapa-olho, logo abandonado por sugestão de Humphrey Bogart; era viciado em jogo, chegando a perder 50 milhões de dólares ao longo de 20 anos; foi duramente perseguido por ter tido um romance com Kim Novak; fumava quatro maços de cigarro por dia e quase morreu por causa do álcool e cocaína. Por outro lado, era extremamente articulado, mesmo sem ter frequentado qualquer escola, cantava divinamente, era amigo de Elvis e um excepcional fotógrafo. This is an interesting episode of the series, because the script practically revolves around the guest star, and the rest of the cast is in the background. And it's a very special guest: Sammy Davis Jr. Tony, at the request of Dr. Bellows, needs a showbiz star at General Peterson's birthday party, and as Sammy couldn't participate, as he would be at a concert on the same day and time, Jeannie takes it upon herself to make a copy of it to please her master. In fact, Sammy takes over the episode and brings a touch of Bossa Nova – in one scene, he sings Garota de Ipanema, although in a faster cadence. Larry Hagman, known for having a difficult behavior on set, was bothered by being upstaged by a bigger star than himself, and tensions soon escalated, until Barbara Eden intervened, convincing a disgruntled Sammy to stay and finish filming the show. In the end credits, he is identified as "Sammy Davis Jr", instead of the traditional "as himself", because he acted as a character, despite that character being Davis himself. Sammy faced several obstacles in his life: he lost his left eye in a car accident while recording the theme song for Six Bridges to Cross (1955), and this led him to wear an eye patch, soon abandoned at the suggestion of Humphrey Bogart; he was addicted to gambling, losing 50 million dollars over 20 years; he was harshly persecuted for having an affair with Kim Novak; he smoked four packs of cigarettes a day and almost died from alcohol and cocaine. On the other hand, he was extremely articulate, even without having attended any school, sang divinely, was a friend of Elvis and an exceptional photographer.



quinta-feira, 12 de junho de 2025

4734 - NOS TEMPOS DA VASELINA (1979)


  NOS TEMPOS DA VASELINA (Brasil, 1979) – Mais um exemplo do mau cinema praticado no Brasil nas décadas de 70 e 80, com produções baratas, com roteiro frouxo e elenco pouco inspirado composto, basicamente, por não atores. O argumento não tem nada de original: um primo do interior chega ao Rio de Janeiro, onde descobre as aparentes delícias de uma oferta constante de sexo inconsequente. Como era comum, há algumas participações destinadas a dar um certo lustro à história e servir de isca para espectadores incautos: sem qualquer explicação, aqui, aparecem Carlos e Kate Lyra, em participações totalmente anódinas. Tudo ruim e esquecível. Another example of the lousy cinema practiced in Brazil in the 70s and 80s, with cheap productions, a loose script and an uninspired cast composed basically of non-actors. The argument is nothing original: a cousin from the countryside arrives in Rio de Janeiro, where he discovers the apparent delights of a constant offer of inconsequential sex. As was common, there are some participations intended to give a certain polish to the story and serve as bait for unwary viewers: without any explanation, here, Carlos and Kate Lyra appear, in totally anodyne participations. All bad and forgettable.

terça-feira, 10 de junho de 2025

4733 - O CONTADOR 2 (2025)

Este é um não ator...

O CONTADOR 2 (THE ACCOUNTANT, USA, 2025) – Se o filme anterior tinha alguns pontos positivos, essa sequência é um completo desastre, a começar pela atuação constrangedora de Ben Affleck. O roteiro é fraco, com sequências de ação inanes e tentativas de humor mais parecidas com um velório. Sem JK Simmons, o elenco perde qualquer possibilidade de coesão e brilho dramático e, convenhamos, insistir com Affleck como protagonista de qualquer história é degradante para o diretor, os produtores e também com os outros atores, obrigados, imagino, a sustentar um filme inteiro contracenando com uma pessoa sem talento para atuar. Além disso, há o exagero da performance de Jon Bernthal, tentando, talvez, ser o contraponto com o vazio dramático de Affleck. Fuja. If the previous film had some positive points, this sequel is a complete disaster, starting with Ben Affleck's embarrassing performance. The script is weak, with inane action sequences and attempts at humor more similar to a memorial service. Without JK Simmons, the cast loses any possibility of cohesion and dramatic brilliance and, let's face it, insisting on Affleck as the protagonist of any story is degrading for the director, the producers and also with the other actors, forced, I imagine, to sustain an entire film opposite a person with no talent for acting. In addition, there is the exaggeration of Jon Bernthal's performance, trying, perhaps, to be the counterpoint to Affleck's dramatic emptiness. Run away.



4732 - O CONTADOR (2016)

 


O CONTADOR (THE ACCOUNTANT, USA, 2016) – Precisamos falar sobre Ben Affleck. A bem da verdade, ele mostrou ser um bom diretor (Argo, The Town), mas não é possível apontar nele qualquer qualidade como ator. Neste filme, seu personagem está dentro do espectro autista, e isso seria uma vantagem, pois, como acontece na história, ele não precisa falar muito. Mesmo assim, várias cenas são comprometidas por sua latente falta de talento dramático, mesmo apenas com falas monossilábicas. Isto posto, o filme de Gavin O’Connor é um bom thriller de suspense, especialmente quando faz alusão ao modo operandi das empresas cujos livros contábeis são maquiados sem o menor pudor. O bom elenco compensa a forma burocrática com a qual o protagonista se apresenta em cena: JK Simmons, Anna Kendrick, John Lithgow (num papel muito limitado, infelizmente).  We need to talk about Ben Affleck. To be honest, he proved to be a good director (Argo, The Town), but it is not possible to point out in him any quality as an actor. In this film, his character is within the autistic spectrum, and this would be an asset, because, as in the story, he doesn't need to say much. Even so, several scenes are compromised by his latent lack of dramatic talent, even with only monosyllabic lines. That said, Gavin O'Connor's film is a good suspense thriller, especially when it alludes to the modus operandi of companies whose accounting books are shamelessly embezzled. The good cast compensates for the bureaucratic way in which the protagonist presents himself on stage: JK Simmons, Anna Kendrick, John Lithgow (in a very limited role, unfortunately). Prime.



domingo, 8 de junho de 2025

4731 - EU, DANIEL BLAKE (2016)

 


EU, DANIEL BLAKE (I, DANIEL BLAKE, UK, 2016) – Ken Loach é um diretor preocupado com as questões sociais provocadas pelo neoliberalismo. Neste filme, Daniel Blake (Dave Johns), depois de um ataque cardíaco, precisa enfrentar a burocracia terceirizada para conseguir o auxílio desemprego. A história se passa em Newcastle, ao norte da Inglaterra, uma área industrial marcada pelo desemprego e a degradação econômica e social, após a onda neoliberal de Mrs Thatcher. A cidade materializa a discussão proposta por Loach, no sentido de simbolizar o apogeu de um modo de produção industrial, com uma classe trabalhadora valorizada com o advento de um estado de bem-estar social e a consequente precarização desta mesma classe trabalhadora, por causa da automação e do regime de financeirização. Ken Loach is a director concerned with the social issues caused by neoliberalism. In this film, Daniel Blake (Dave Johns), after a heart attack, has to face outsourced bureaucracy to get unemployment benefits. The story takes place in Newcastle, in the north of England, an industrial area marked by unemployment and economic and social degradation, after Mrs. Thatcher's neoliberal wave. The city materializes the discussion proposed by Loach, in the sense of symbolizing the apogee of an industrial mode of production, with a working class valued with the advent of a welfare state and the consequent precariousness of the working class, because of automation and the financialization regime.



sexta-feira, 6 de junho de 2025

4730 - TRUE BLOOD - TEMP 5 - 12 EPISÓDIOS (2012)


 TRUE BLOOD – TEMP 5 – 12 EPISÓDIOS (USA, 2012) – Esta temporada melhorou em relação à quarta, embora ainda mantenha um certo enlouquecimento nos roteiros dos episódios, mesmo para os padrões da série. O aspecto mais intrigante é a total reversão da personalidade de Bill – se na primeira temporada ele era o “bom vampiro”, agora, ele passou a ser o grande vilão, curiosamente combatido por Eric, numa trajetória inversa, porque seu papel agora é de proteção a Sookie (menos protagonista nesta temporada) e à humanidade em geral. No mais, alguns arcos dramáticos foram desenvolvidos de maneira muito superficial, e o deslocamento da ação para fora de Bon Temps descaracterizou a pitoresca atmosfera red neck da história. O destaque vai para a Pam de Kristin Bauer e seu relacionamento com Tara. This season has improved on the fourth, although it still maintains a certain madness in the episode scripts, even by the standards of the series. The most intriguing aspect is the total reversal of Bill's personality – if in the first season he was the "good vampire", now, he has become the great villain, curiously fought by Eric, in an inverse trajectory, because his role is now to protect Sookie (less of a protagonist this season) and humanity in general. In addition, some dramatic arcs were developed in a very superficial way, and the displacement of the action out of Bon Temps mischaracterized the picturesque red neck atmosphere of the story. The spotlight goes to Kristin Bauer's Pam and her relationship with Tara.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

4729 - A ESPIÃ (2006)

 


A ESPIÃ (Zwartboek, Holanda, 2006) - Na Holanda ocupada pelos nazistas, uma cantora judia se infiltra no quartel-general da Gestapo para colaborar com a resistência holandesa. No entanto, o amor se interpõe: ela se apaixona pela pessoa mais improvável: o oficial investigado por ela. O filme de Paul Verhoeven traz um retrato bem fiel das atrocidades perpetradas pelos alemães nos territórios ocupados e é um épico no verdadeiro sentido do termo. Carice Van Houten tem uma atuação emocionante, além de simbolizar, com sua personagem, a resiliência dos opositores do regime nazista. In the Nazi-occupied Netherlands, a Jewish singer infiltrates the Gestapo headquarters to collaborate with the Dutch resistance. However, love gets in the way: she falls in love with the most unlikely person: the officer she investigates. Paul Verhoeven's film brings a very faithful portrait of the atrocities perpetrated by the Germans in the occupied territories and is an epic in the true sense of the term. Carice Van Houten has an emotional performance, in addition to symbolizing, with her character, the resilience of the opponents of the Nazi regime. Prime.



terça-feira, 3 de junho de 2025

4728 - PLAYTIME (1967)

 


PLAYTIME (França, 1967) – Dez anos depois de AS FÉRIAS DO SR HULOT, Jacques Tati propõe uma reflexão sobre a cidade de Paris, então tomada por uma onda modernista, com a criação de bairros novos, nas proximidades dos mais tradicionais (Godard fez coisa parecida com Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela”, também de 1967). PLAYTIME capta o processo no qual prédios antigos foram demolidos para dar lugar a novas construções, mas de acordo com a lógica modernista. O filme assume um tom de distopia ao enfocar a esterilidade do mundo moderno, fazendo submergir os traços de seu passado histórico. Destarte, a arquitetura atua como o personagem principal numa obra cuja construção narrativa basilar aponta essa distopia capaz de fazer da cidade um espaço de esfacelamento de sonhos e de humanidade. Nada mais atual. Ten years after MR. HULOT'S VACATION, Jacques Tati proposes a reflection on the city of Paris, then taken by a modernist wave, with the creation of new neighborhoods, in the vicinity of the more traditional ones (Godard did something similar with “Two or Three Things I Know About Her", also from 1967). PLAYTIME captures the process in which old buildings were demolished to make way for new constructions, but according to modernist logic. The film takes on a dystopian tone by focusing on the sterility of the modern world, submerging the traces of its historical past. Thus, architecture acts as the main character in a work whose basic narrative construction points to this dystopia capable of making the city a space for the shattering of dreams and humanity. Nothing more current.



segunda-feira, 2 de junho de 2025

4727 - CAPITÃO AMÉRICA - ADMIRÁVEL NOVO MUNDO (2025)


CAPITÃO AMÉRICA – ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (CAPTAIN AMERICA – BRAVE NEW WORLD, USA, 2025) – Aldoux Huxley deve estar se revirando em algum jazigo no cemitério de Los Angeles... seu livro mais famoso, “Admirável Mundo Novo” é uma distopia sobre uma sociedade avançada tecnologicamente, porém totalitária, dividida em castas baseadas em engenharia genética e condicionamento psicológico, com o objetivo de garantir a estabilidade e o bem-estar, mas com um custo elevado da liberdade e da individualidade. Os indivíduos são condicionados desde a infância para aceitar o sistema e seguir as regras da sociedade, com a promessa de felicidade e prazer artificial através da droga "soma".  A liberdade individual é reprimida em prol da estabilidade e do conformismo, com a tecnologia sendo usada para controlar a população e garantir seu ajuste ao sistema. Nessa sociedade, as emoções e a individualidade são condicionadas às crianças desde cedo, e não há relacionamentos duradouros porque "cada um pertence a todos os outros" (um ditado comum do Estado Mundial). Huxley começa o romance explicando detalhadamente a natureza científica e compartimentada dessa sociedade, começando no Centro de Incubação e Condicionamento de Londres Central, onde as crianças são criadas fora do útero e clonadas para aumentar a população. Admirável Mundo Novo foi escrito entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial , o auge de uma era de otimismo tecnológico no Ocidente. Huxley pegou esse otimismo e criou o mundo distópico de seu romance para criticá-lo. Grande parte da ansiedade de Admirável Mundo Novo pode ser atribuída a uma crença generalizada na tecnologia como um remédio futurista para problemas causados ​​por doenças e guerras. Ao contrário de seus concidadãos, Huxley sentiu a ingenuidade de tal confiança e decidiu desafiar essas ideias imaginando-as levadas ao extremo. Pois bem, e o que isso tem a ver com CAPITÃO AMÉRICA? Nada é a resposta. O filme é apenas uma tentativa fracassada da Marvel de reviver os tempos áureos dos filmes de super-heróis. Por isso, é melhor escrever sobre o grande Huxley do que tentar achar algo que valha a pena neste mundo novo nem tão admirável assim. Aldoux Huxley must be turning over in some vault in the Los Angeles cemetery... his most famous book, "Brave New World" is a dystopia about a technologically advanced but totalitarian society, divided into castes based on genetic engineering and psychological conditioning, with the aim of ensuring stability and well-being, but at a high cost of freedom and individuality. Individuals are conditioned from childhood to accept the system and follow the rules of society, with the promise of happiness and artificial pleasure through the drug "soma".  Individual freedom is repressed for the sake of stability and conformism, with technology being used to control the population and ensure its adjustment to the system. In this society, emotions and individuality are conditioned to children from an early age, and there are no lasting relationships because "everyone belongs to everyone else" (a common saying of the World State). Huxley begins the novel by explaining in detail the scientific, compartmentalized nature of this society, beginning at the Central London Incubation and Conditioning Centre, where children are raised outside the womb and cloned to increase the population. Brave New World was written between World War I and World War II, the height of an era of technological optimism in the West. Huxley took this optimism and created the dystopian world of his novel to critique it. Much of Brave New World's anxiety can be attributed to a widespread belief in technology as a futuristic remedy for problems caused by disease and war. Unlike his fellow citizens, Huxley felt the naivety of such confidence and decided to challenge these ideas by imagining them taken to the extreme. Well, and what does this have to do with CAPTAIN AMERICA? Nothing is the answer. The film is just a failed attempt by Marvel to revive the golden days of superhero movies. So, it's better to write about the great Huxley than to try to find something worthwhile in this not-so-admirable new world. Disney Plus.



domingo, 1 de junho de 2025

4726 - OS SONHADORES (2003)

 


(THE DREAMERS, UK, França, 2003) - Segundo Kant, o belo resulta da concordância harmoniosa entre uma forma sensível imaginada para exprimir uma ideia concebida para ser expressa por uma forma. O belo é, assim, a satisfação da imaginação, uma finalidade sem fim, livre e viva, expandindo-se sem intenções reservadas. Kant distingue essencialmente o belo do sublime. Aquele consiste na harmoniosa coerência do entendimento e da imaginação, enquanto este consiste na sua desproporção. Destarte, o belo pode despertar em nós uma alegria pura, e o sublime traz em si algo de melancólico e pungente.

               A Nouvelle Vague nasceu dos anseios da juventude francesa dos anos 50. A expressão  foi cunhada pela revista francesa L’Express baseada numa pesquisa sobre os gostos, medos, sonhos e dramas dos jovens da época, desejosa de liberdade transgressora, social, política, sexual etc.; uma geração responsável, mais tarde, pelo Maio de 68. Quando os filmes de Chabrol, Rivette, Truffaut, Godard e Rohmer foram lançadas, a juventude viu seu sentimento libertário traduzido naquelas obras.

               Em OS SONHADORES, de Bernardo Bertolucci, o desejo de liberdade e transgressão é dominante, além de estruturar o enredo no qual três jovens (Eva Green, Michael Pitt e Louis Garrel) buscam no cinema da Nouvelle Vague este sentido da cinefilia, como entendimento da realidade, através de inúmeras referências a filmes famosos. Desta forma, o filme de Bertolucci funciona como uma homenagem ao cinema, no seu sentido mais amplo, ao enfocar a Nouvelle Vague e sua experiência estética, expandindo novos sentidos promovidos pela fricção com a arte para além das suas aparências imediatas.

               Matthew (Michael Pitt), um estudante americano, está na França em 1968, para fazer um intercâmbio. Durante suas visitas à Cinemateca, ele conhece os gêmeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel), ambos também apaixonados pelo cinema. A partir daí, podemos perceber um aspecto importante da arte: nossa experiência estética é uma forma de atividade e não apenas uma contemplação passiva. Ou seja: toda recepção é uma ação de leitura, de interpretação, de avaliação e fruição. Na recepção, temos o momento no qual toda obra de arte adquire significado. O cinema (no sentido artístico e arquitetônico) não é uma instância abstraída da sociedade – o contexto histórico, social e político é muito relevante para uma compreensão mais aprofundada de qualquer obra. Além do mais, representa um gozo coletivo, quando se está numa sala escura, em consonância com aspirações estéticas similares.

               O Belo, segundo o idealismo transcendental, não pode ser uma propriedade objetiva das coisas (o belo ontológico), mas nasce da relação entre o objeto e o sujeito, não estando também o sublime nas coisas, mas no homem. Daí ser possível relacionar este entendimento ao conceito kantiano, segundo o qual o belo vai muito além do conceito empírico, tradicional ou pessoal, pois não está ligado apenas à beleza, e sim na verdade, na imaginação, na liberdade, no conhecimento, acontecendo por meio de uma singularidade. Já no sublime, há comoção, ausência de superficialidade, intensidade, tornando-o imensurável e profundo, ultrapassando o ser humano em poder, extensão e força, elevando-o e comovendo-o.   

               Isso posto, voltemos a OS SONHADORES. Três jovens, em Paris, amam o cinema acima de tudo na vida. Assim, também amam o Belo e se atiram numa experiência estética, quando criam um mundo próprio, assistindo a filmes clássicos.

Na primavera de 1968, três planetas – sexo, política e cinema – se alinhavam para exercer um empuxo gravitacional na vida tal qual a conhecíamos então. Bertolucci consegue trazer de volta essa atmosfera, como fez em O ÚLTIMO TANGO EM PARIS, limitando quase todo espaço cênico em um apartamento em Paris. Do lado de fora, as ruas fervem em manifestações, até o momento de óbvio simbolismo, no qual uma pedra jogada na janela interrompe o voluntário triângulo introvertido, fragmentando seu casulo e fazendo o mundo real de gás lacrimogênio e coquetéis Molotov entrar violentamente nas suas vidas. Então, o belo, a estesia diante da estética fílmica, sofre uma ruptura inesperada, e o sublime se instala na alma e nos corações dos jovens cinéfilos inquinando-os com um estuário de frustrações.

UMA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA SOBRE A ORIGEM DO SUBLIME E DO BELO” é um tratado de estética de 1757, escrito por Edmund Burke, e foi a primeira exposição filosófica a separar o belo do sublime em suas respectivas categorias racionais. Segundo Burke, Belo é aquilo que é bem-formado e esteticamente agradável, enquanto Sublime é aquilo que tem o poder de nos compelir e destruir. A preferência pelo Sublime em detrimento do Belo marcaria a transição da era Neoclássica para a Romântica .

               Neste ponto, encontrar-se-ia a intersecção desta visão de Burke com a linha narrativa de OS SONHADORES. A interação entre Michael, Isabelle e Theo tem como alinhave a percepção do belo, encapsulada numa perspectiva bastante disseminada nos anos 60 – a valorização da juventude. Os três são jovens e belos, perfeitamente coadunados com o zeitgeist da época e com o pensamento de Burke sobre a percepção estética. No entanto, há uma questão disruptiva e paradoxal neste quadro aparentemente harmonioso: apesar da paixão em comum pelo cinema (estética em estado bruto), os três acabam se insulando do mundo real retratado exatamente por este cinema tão amado por eles. Esta é a conexão com o Sublime burkeano: a cinefilia dá a eles um sentido de pertencimento, de união, de força motriz; mas o isolamento suscitado por esta paixão (cabe aí também uma paixão física, rompendo com padrões tradicionais, aspecto presente no espírito contestador e iconoclasta dos anos 60, base, inclusive, para os cineastas da Nouvelle Vague) os afasta da percepção do real e das questões sociais e existenciais exploradas no filmes amados por eles. Isso está em homologia com o célebre poema de William Wordsworth, “Ode on intimations od Immortality from Recollections of Early Childhood”, um recorte lírico da perda da inocência, magnificamente explorado no roteiro de SPLENDOR IN THE GRASS (1961), de Elia Kazan, com Natalie Wood e Warren Beatty.  

               As referências cinematográficas ajudam a frestear outros corpos significativos. Nisso, Bertolucci comanda sua arte com maestria, como quando Matthew olha a chuva escorrer através do vidro da janela e, sob o efeito da luz, faz parecer lágrimas rolando no rosto de Michael Pitt. Em outra cena memorável, os três protagonistas descem uma escada perseguidos por suas próprias sombras, num aceno ao TERCEIRO HOMEM, de Carol Reed. E, claro, há a literal corporificação da arte numa atriz de beleza singular – Eva Green – cuja tradução estética é mencionada no último parágrafo deste ensaio.

               A Nouvelle Vague, homenageada por Bertolucci em OS SONHADORES, representou notavelmente o espírito libertário da França dos anos 60 e o desgosto com o status quo da época. O filme cria sentidos e conexões com a experiência estética concomitantemente coletiva e individual dos personagens e a intencionalidade pretendida por Truffaut e sua turma. Assim como nos filmes de Godard, a liberdade sonhada e, por vezes, concretizada, configura o universo diagético também materializado na forma. Estilisticamente, poder-se-ia apontar, em todos esses filmes, uma descontinuidade visual e sonora. Em ACOSSADO (1960), por exemplo, a falta de continuidade visual e a opacidade da montagem se convertem em uma disrupção de movimento. Aduz-se a isso, a quebra da quarta parede promovida por Godard, sempre alinhado com o teatro de Brecht. Essas rupturas narrativas apontam para um espírito libertário – as descontinuidades são como metáforas em defesa da liberdade criativa.

               Portanto, ao ladearmos Bertolucci e os cineastas da Nouvelle Vague, percebemos um aspecto em comum – um discurso contundente contra as convenções e os padrões estabelecidos. Forma e conteúdo convergem, produzindo um mesmo sentido, sempre em defesa das transgressões. Isso fica claro em OS SONHADORES e seus personagens permanentemente inquietos em relação às convenções sociais e à própria vida. O apanágio trágico do sublime, de certa forma, ajuda a dar sentido ao mundo apartado dos três jovens e, ao mesmo tempo, exalta, em todas as leituras possíveis, a busca incessante do belo, seja pelo amor à sétima arte, seja pela noção feminina de êxtase estético, representada quando, numa cena inesquecível, Isabelle (Eva Green, perfeita na metáfora) aparece como a versão palpável – e palpitante – da Vênus de Milo.