Scarlett, linda e talentosa... |
HISTÓRIA
DE UM CASAMENTO (MARRIAGE STORY, USA, 2019) – Scarlett
Johansson é mesmerizante em tudo que faz – atuando, cantando, dançando,
defendendo suas posições políticas, existindo, simplesmente. Tudo nela é
delicadamente apropriado: a voz firme e, ao mesmo tempo, suave; o olhar
enviesado e hipnotizante; os lábios provocantemente servindo de moldura para
palavras que emocionam, como “amor” e “saudade”, e sua atuação em MARRIAGE STORY,
construída pelo olhar, sentido e verbo. O filme começa com a fórmula mais que
batida das comédias românticas: sobre uma montagem de cenas, Nicole (Scarlett) e
Charlie (Adam Driver) derramam elogios sobre o outro. Logo se vê que o texto
pertence a redações escritas pelos dois numa mediação terapêutica. Estão a
ponto de se separar, aquela hora indefinível, dolorosa, irreparável,
destruidora, incapacitante. Sim, antes da ruptura, houve amor e afeto, e é isso
que é mais dilacerante neste momento. Mas há um filho na história e ele é que
vai servir para a inominável manipulação de parte a parte. O que
invariavelmente acontece nestes casos. Há também os advogados das partes: um
show de Laura Dern e Ray Liotta, manobrando o divórcio de forma indignamente
competitiva. Nicole e Charlie estão naquele momento em que nenhum dos dois está
muito certo do porquê a relação ter chegado àquele ponto, e isso é perturbador
para ambos e, claro, para mim, sobretudo. Parece claro que a dimensão de um se perdeu para
o outro ao longo da estrada da convivência, apesar (ou por causa) das conexões
que ainda existem entre eles. Scarlett é um talento em forma de perfeição
física, representando uma mulher que quer o melhor para sua família, mas que
não pode mais esperar para realizar seus sonhos; Adam Driver se despe de Kylo
Ren e mergulha no papel que pode redefini-lo como um ator de vastos recursos
dramáticos – as perdas que vão se acumulando em sua vida, a partir da
separação, aparecem no seu rosto como jabs
certeiros de Mike Tyson nos velhos tempos. O diretor Noah Baumbach apresenta
claras referências autobiográficas em suas obras, como em seu melhor filme, A
LULA E A BALEIA, e aqui, não é diferente: deixa escancarado um traço deprimente
dos tempos pós-modernos, a terceirização dos assuntos sentimentais, a cargo, no
filme, dos advogados que terçam armas sobre tudo aquilo que poderia ter sido e
não foi, como disse, uma vez, Manuel Bandeira. Scarlett Johansson is mesmerizing in everything she
does – performing a role, singing, dancing, and defending her political views,
existing, simply. Everything in her is delicately appropriate: the firm, and at
the same time, smooth voice; the skewed and hypnotizing eyes, the provoking
lips as perfect frames for touching words as “love” and “nostalgia”, her
performance in the movie built by the way she looks, in all possible senses.
The movie begins with a formula: over an assembling of scenes, Nicole
(Scarlett) and Charlie (Adam Driver) exchange compliments. We soon realize that
it is discourse written in a therapeutic session. They are on the verge of
separation, that indefinable, painful, irreparable, destructive, incapacitating
moment. Yes, before the rupture, there was love and affection, and this is the
most devastating punch at this point. Nevertheless, there is a child and he is going
to be used as a manipulative element by both of them, which invariably happens in
these cases. There are also the parts’ lawyers: Laura Dern and Ray Liotta rock maneuvering
the divorce in an indignantly and competitive way. Nicole and Charlie are at
that process in which neither of them knows exactly why the marriage failed, and
this is disturbing for them and, of course, for us. It seems clear that each
other’s dimension got lost along the time they spent together, despite (or because)
the connections that still exist between them. Scarlett is the physical form of
talent, playing a woman who wants the best for her family, but cannot wait
anymore to make her dreams come true. Adam Driver takes off Kylo Ren’s character
and takes the plunge into the role that may redefine him as one of the most talented
actors of his time – his losses, after the separation, are shown on his face like
Mike Tyson’s jabs. The director Noah Baumbach displays autobiographical
references in his works, as he did in his best movie so far THE SQUID AND THE
WHALE. It is not different here: he shows a depressing trait of the post-modern
times, the outsourcing of the sentimental matters, in charge, here, of the two
lawyers, who fight over everything that could have been but was not, as once
said Manuel Bandeira.