segunda-feira, 27 de agosto de 2007

122 - CACHÉ


caché (caché, frança, 2005) – de Michael Haneke. Rodado antes de os conflitos provocado pelos jovens descendentes de imigrantes na periferia de Paris, Caché (“oculto” em francês) é um filme premonitório em que não há violência física, só psicológica. Um casal parisiense, Georges e Anne, (Daniel Auteuil e Juliette Binoche) começa receber anonimamente uma fita de vídeo que mostra tão-somente o exterior de sua casa, com idas e vindas da família. Posteriormente, as fitas passam a ser acompanhadas de desenhos infantis mostrando um menino sangrando pela boca, ou uma galinha de pescoço cortado. Esse detalhe aterroriza Anne e o marido. Novas fitas aparecem. Georges reconhece lugares que dizem respeito à sua infância. Pronto. Para ele, as imagens estão relacionadas com um passado de egoísmo e discriminação que sempre preferiu esquecer. A lembrança de Majid (Maurice Bénichou) - um órfão argelino - se torna uma constante. Quando criança, o protagonista armou para que este não crescesse ao seu lado. Seu plano deu certo e Majid foi parar num orfanato. Mesmo nesse período, Georges já conhecia muito bem as diferenças sociais; o outro não poderia ter as mesmas oportunidades. A partir daí, a vida do casal se desestabiliza com a insegurança de se sentirem vigiados. Um dos fatores mais marcantes do filme é focalizar a diáspora social francesa, especialmente nos dias de hoje. A Europa, como um todo (homenagem a Almir), nunca teve boa vontade com os imigrantes pobres e, além de outras coisas, Haneke toca fundo nesta ferida. Paralelamente, Caché se transforma num filme incômodo, ao mostrar os segredos individuais de um casamento, a fragilidade da vida numa cidade grande e como uma imagem sistematicamente repetida pode ser manipulada até que seu significado original desapareça ou se transforme diametralmente. Assim sendo, o filme trata da imagem e do seu efeito sobre o homem contemporâneo e deixa latente o poder desestruturador da vigilância. E vai mais longe ao questionar a natureza e o sentido das mídias audiovisuais, assim como o processo de criação delas. E como um bom artista que utiliza seu ofício para confrontar a realidade, Haneke não perde a oportunidade de estampar as relações ambíguas entres as classes sociais, sempre partindo do ponto de vista do passado e da culpa Tal como em “Código Desconhecido”, realizado pelo cineasta em 2000, “Caché” também começa de maneira indecifrável. Começa mostrando o plano fixo de uma fachada residencial de classe média. Minutos depois, a imagem é rebobinada e acompanhamos o visual característico dessa ação. A perda de referências passa a ser instantânea, pois existe uma câmera misteriosa que recorta uma realidade qualquer sem ser a do filme, e este recorte não é nem um pouco inofensivo. Não sabemos a origem dele, muito menos o seu destino. O estranho é que nada, inicialmente, distingue essa imagem solta da outra utilizada para contar a história em si. O valor de todas as imagens, então, já se torna discutível. De volta ao enredo: Georges vai atrás de Majid para exigir explicações. Mas será este o responsável pela produção e envio das fitas? Ou será o filho do argelino, para vingar a desgraça do pai? Ninguém está fora de suspeita, nem mesmo Georges e sua família. De qualquer forma, Haneke não tem interesse em oferecer respostas - uma marca pessoal do diretor que começou a carreira na TV. O importante em “Caché” não é a autoria e sim a conseqüência das imagens.