sexta-feira, 18 de maio de 2012
1333 - SHAME
SHAME (SHAME, INGLATERRA 2011)
– não fosse o diretor Steve McQueen também um
artista plástico, “Shame” não seria o que é: um filme como uma escultura, uma
instalação mais ou menos permeável à interação com o espectador, uma tela onde
convivem tintas fortes e angustiantes. Toda a narrativa do filme gira em torno
de Brandon, magnificamente interpretado por Michael Fassbender, um personagem
que é a própria personificação do que há de mais paradoxal no ser humano.
Brandon é um viciado em sexo. Não alguém que gosta de sexo, ou que apenas faz
muito sexo, mas alguém patologicamente dependente de sexo. Mais que um atalho
escapista, sexo, para ele, é um ritual de auto-humilhação e degradação, como se
sua vida não representasse nada e fosse um vazio niilista que, numa metáfora
ousada, mais se aproxima de um buraco negro, num processo autofágico que
assusta, de tão real. Brandon está numa bolha – todos os dias, a mesma rotina:
metrô, trabalho, sexo, drinques em locais “descolados” em Manhattan e mais
sexo. Sempre imerso numa solidão cósmica que parece não acabar, mesmo com a
chegada de sua irmã (Carey Mulligan), outra solitária, porém mais conectada com
a vida, seja pela música ou pelos desencontros amorosos. Numa cena, Brandon vai
vê-la cantar “New York, New, York”, cuja letra parece refletir o mundo cruel e
competitivo da grande cidade: numa ideologia neoliberal, só não vence quem não
tem competência para isso. Mas o que é “vencer”? O que é essa necessidade
brutal que nos faz correr ansiosos para o futuro, enquanto a vida só está no
presente? Brandon está mergulhado até a raiz dos cabelos cuidadosamente
penteados com gel nesta corrida maluca e acometido por um vício que,
paradoxalmente, envolve o outro, mas só desenvolve o isolamento social e
psíquico. Isso fica claro quando se encontra com Marianne, uma colega de
trabalho e, inesperadamente, brocha – este é o ponto de inflexão decisivo de
“Shame”, pois qualquer rachadura na redoma de sua vida o faz tremer e perder a
suposta segurança que o mantém vivo. Marianne não é uma prostituta ou uma
mulher que ele não verá no dia seguinte, mas sim uma mulher com todas as
qualidades amoráveis que ele não consegue ver e que acredita em
relacionamentos. Ao não conseguir ter sexo com a mulher de quem se aproxima de
forma um pouco mais consistente, o personagem entra em uma espiral que o leva a
uma catarse profunda. Só esta reflexão justifica assistir ao filme que, entre
outras coisas, lida com habilidade incomum e corajosa, com as incoerências que
tanto abominamos em nós e nos outros, mas que – não há como negar – é matéria
inerente à constituição existencial do homem pós-moderno. Sem aprontar
soluções, o filme coloca Brandon, na última sequência do filme, de volta ao
cenário da primeira cena, impecavelmente vestido, dando em cima da mesma
passageira. Um cartaz, dentro do trem, dá um toque ao mesmo tempo irônico e
intrigante, porém bem consonante como o ritmo da selva de pedra e aço:
“Improving, don’t stop” (“Melhorando, não pare”). Talvez aí esteja a sutil
solução – ou o começo dela – para gente como Brandon, em todas as partes do
mundo.