quinta-feira, 22 de maio de 2014

2299 - QUANDO DUAS MULHERES PECAM


(PERSONA, Suécia 1966) - O infeliz título em português pode dar aos desavisados uma ideia totalmente equivocada do que se trata o filme. Mas isso não se constitui num obstáculo para uma apreciação plena desta joia de Bergman. Ao assistirmos ao filme, a primeira coisa que nos atinge é uma sensação de peso, pois essa é uma obra-prima psicológica, que obriga o espectador a pensar sobre cada detalhe em cena. Cada take indica uma situação, cada expressão indica uma vertente do personagem geminado que se nos apresenta em longas sequências e profundos silêncios. Elisabeth é uma atriz de teatro que após uma apresentação de teatro decidiu calar-se. Desde então, fica muda e vive num hospital, onde conhece Alma, a enfermeira que tomará conta dela. Com o modesto avanço nas tentativas de fazer Elisabeth falar, a médica do hospital sugere que as duas mulheres passem algum tempo na em sua casa de praia, onde poderão ficar mais à vontade e o tratamento poderá fluir melhor. No período em que passam juntas, cresce entre elas um relacionamento conflitante, íntimo, levando-as a uma gradativa interação quase simbiótica. Bergman, Liv Ullman e Bibi Andersson, respectivamente, diretor e intérpretes de Elisabeth e Alma, representam um universo psicológico que descortina, cena a cena, uma metáfora do comportamento bipolar humano. Os planos-sequência de Bergman mostram sempre uma atriz em cena, sempre com o perfeito uso da iluminação. Bibi Andersson representa o descontrole emocional, as revoluções internas do ser. Em pouco tempo, sua personagem ama e odeia, se sente apaixonada e, pouco depois, se torna vingativa. A atriz responsabiliza-se pelas modificações comportamentais, tornando-se um objeto de estudo de Elisabeth. Liv Ullmann, em seu primeiro papel num filme - este seria o 1º de 12 filmes em que ela trabalharia com Bergman -, nos apresenta um personagem provocante, que nos intriga principalmente por causa do silêncio. Sem falas, suas interpretação resigna-se aos olhares e gestos. Bergman, neste filme, se apaixona por ela. Bergman iria se tornar no imaginário do público como uma "marca registrada" do seu cinema: uma temática bastante densa e agora sempre pessimista, com poucos personagens, vivendo situações de crise intensa em ambientes quase sempre claustrofóbicos, mesmo que este cenário seja a paisagem de uma ilha, onde as duas protagonistas estão. Elisabeth e Alma são, na verdade, a mesma pessoa. Representam, respectivamente, o físico e o emocional. Elisabeth é quase linear e a sua única grande explosão é aquela instintiva (quando teme que a outra lhe jogue água fervente); Alma, como o próprio nome sugere, é a parte interna, cheia de movimentos bruscos, variando em humor e sentimentos. Alma e Elizabeth, passam a manifestar diferentes facetas de uma só personagem, culminando na notória sequência onde fundem-se os rostos das atrizes. Chamando mais uma vez atenção para a personalidade do diretor, convém destacar que tanto Elizabeth quanto Alma são afligidas por traumas relacionados à maternidade - a primeira simplesmente renega o filho, enquanto a segunda não aceita bem um aborto ao qual fora obrigada - o que reflete uma evidente característica de Bergman, que nunca conseguiu assumir de forma completa o papel de pai dos filhos que acumulou ao longo de sucessivos casamentos. É incrível que o filme tenha apenas 85 minutos e ofereça tantas leituras.