O TERCEIRO TIRO (THE TROUBLE WITH HARRY, USA 1955) – Este é um filme atípico de Hitchcock. É um belo exercício de humor negro, numa história que gira em torno da descoberta de homem morto, no alto de uma colina, numa cidadezinha do interior da Nova Inglaterra (a fotografia é lindíssima). Parte da graça do filme é que nada realmente acontece, como se o roteiro fosse tirado de um episódio de Seinfeld. A gente já tem uma dica genial do velho Hitch logo nos créditos iniciais: uma sequência de desenhos infantis contando exatamente o que vai se passar na história. Sem que percebamos de início, o roteiro vai nos levando por questões existenciais importantíssimas: vida e morte, juventude e velhice, culpa e inocência, verdades e mentiras, arte e pragmatismo – tudo isso nos é entregue com sutileza e elegância. Hitch, esperto, põe Shirley MacLaine, bem jovenzinha, no seu primeiro papel no cinema, juntamente com atores veteranos, como Edmund Gwenn e Mildred Natwick, esta última como Mrs. Gravely (sacaram a pegadinha do nome?). Shirley é uma viúva que se apaixona por um artista plástico Sam Marlowe (outra referência à literatura policial), interpretado por John Forsythe. Os personagens de Gwenn e Natwick também se aproximam romanticamente. É aí que Hitch mostra o amor nas duas extremidades da vida e faz isso com uma elegância e sensibilidade que andam faltando hoje em dia. Há todo um simbolismo nas cenas (vide a do chá) que, entre outras coisas, enriquece esta joia meio esquecida – injustamente – da filmografia do gênio britânico.