sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

2552 - NÁUFRAGO


NÁUFRAGO (CASTWAY, USA 2000) – Sempre que revejo NÁUFRAGO, me vem à cabeça a dúvida se o filme ajuda na resolução da crença de que a solidão é algo a ser evitado a todo custo, mesmo que você esteja isolado numa ilha deserta no meio do Pacífico. Continuo achando que a história apenas reforça a dependência afetiva e a coloca como parte inevitável do processo existencial. Apesar disso, considero NÁUFRAGO um grande momento cinematográfico, principalmente pela atuação corajosa e imersiva de Tom Hanks. Além do mais, talvez seja o único filme no qual o merchandising está colocado de forma perfeita, em total consonância com o roteiro. Afinal, FedEx e a fábrica de material esportivo Wilson não poderiam estar mais de acordo com o que se passa com o protagonista vivido por Hanks, Chuck Noland, alguém que não tinha tempo para nada, mas que passa a ter todo o tempo do mundo, ao se ver perdido no meio do oceano. O mito do náufrago representa um medo primal, perene e agorafóbico, e o diretor Robert Zemeckis mostra isso muito bem, a começar pela até hoje impressionante cena da queda do avião, durante uma tempestade. Na ilha, só se ouvem as ondas batendo à praia, enquanto Chuck começa a desenvolver uma relação de amizade com a bola de vôlei adequadamente batizada de Wilson. Devo dizer que Wilson se mostra um ator nato e só precisou de uma mãozinha para roubar as cenas em que contracena com Hanks. A sequência em que ele arranca o próprio dente infeccionado, com a ajuda da lâmina de um sapato de patinar no gelo, ainda é a que mais me impressiona. É também interessante como o diretor enfoca a feitichização dos objetos que, ao fim, mantêm Chuck vivo no meio do nada. No mais, NÁUFRAGO é também uma história de um reencontro amoroso – Chuck estava prestes a casar com Kelly (Helen Hunt, seca, como sempre) -, e isso é sempre um perigoso retorno às saudades adormecidas. Neste aspecto, o filme nos deixa com a sensação de que o tempo pode ter efeitos diversos nas pessoas que se amavam e que, por algum motivo, nunca mais se viram. Um outro aspecto do roteiro é a capacidade de adaptação exercida num ambiente tão belo quanto hostil – Chuck tem sucesso nesta empreitada, mas, paradoxalmente, não consegue os mesmos resultados na sua volta à civilização. Uma vez salvo, ele se mostra com uma expressão distante de tudo o que o cerca e que traduz a traumática experiência que o separou do mundo em que estava o grande amor de sua vida. Percebe-se que, dali para adiante, uma parte essencial dele ainda viverá solitariamente naquela ilha, onde ele tinha o amor de Kelly, representado na sua foto na tampa do relógio de bolso que ele nunca abandonou.