terça-feira, 28 de março de 2017

2924 - O CLÃ

   
A família perfeita?
 O CLÃ (EL CLAN, Argentina/Espanha, 2015) – Mais um excelente filme argentino, dirigido por Pablo Trapero, um dos mais vigorosos talentos portenhos, que filma com incisão cirúrgica, no sentido de derrubar defesas e instigar uma reflexão incômoda a respeito da natureza humana. Arquímedes Puccio (o estupendo Guillermo Francella) é um pai de família respeitável que, clandestinamente, ajudava o regime dos militares que se instalara no país desde de 1976 com o sequestro dos inimigos do governo. Puccio percebe que a atividade ainda tinha uma possibilidade inexplorada: exigir resgate em dinheiro, sem nenhuma intenção de devolver a vítima aos familiares. O caso – verídico – causou comoção entre os argentinos e se constitui num registro importante do período mais trágico da ditadura naquele país. Guillermo Francella é realmente um grandíssimo ator. Aqui, ele faz um personagem completamente diferente do doce Leon, de O AMOR NÃO TEM TAMANHO, e impressiona pela intensidade com que se entrega a uma figura aterrorizante que vivia sob uma fachada burguesa aparentemente inofensiva. Grande filme, grandes atuações e uma história contada magistralmente.  

segunda-feira, 27 de março de 2017

2923 - O LAGOSTA

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    O LAGOSTA (THE LOBSTER, UK e França, 2015) - A história não é nada convencional e, por isso mesmo, deliciosa e inquietante: no futuro, as pessoas são proibidas de viverem sozinhas. Caso permaneçam solteiras, são logo encaminhadas a um hotel especial. Lá podem permanecer por até 45 dias e, neste período, são incentivadas de toda maneira a encontrar um novo parceiro para toda a vida entre os próprios hóspedes. Se não conseguirem, são transformadas em um animal – qualquer animal – que a própria pessoa escolhe e, a partir de então, vive solta na natureza. A lagosta do título original é o animal escolhido por David (Colin Farrell), que acaba de chegar ao hotel. O roteiro – originalíssimo – é uma alegoria crítica às regras que a sociedade nos impõe sobre como devem ser os relacionamentos amorosos, uma visão surreal sobre um mundo pós Tinder. As atuações propositalmente mecânicas dos atores ajudam a mostrar a linha tênue entre o real e o absurdo, num mundo em que os relacionamentos amorosos são frequentemente reduzidos à simples observação de interesses e tipos. De certa forma, nada muito diferente do que se vê hoje em dia. É uma ótima oportunidade de reflexão sobre a fragilidade dos laços afetivos num mundo em que o exibicionismo e a superficialidade parecem ter se tornado valores mais importantes.  

domingo, 26 de março de 2017

2922 - TERCEIRA PESSOA

    TERCEIRA PESSOA (THIRD PERSON, USA, 2013) – Paul Haggis (de CRASH) novamente nos traz histórias que se entrelaçam gradativamente, até um desfecho que poderia ser menos previsível. Sem querer dar spoilers, o título do filme já nos indica o caminho que os personagens vão tomando ao longo da trama. Porém, foi issso mesmo que chamou minha atenção – não é um daqueles filmes de fácil assimilação, mas tem, no elenco nomes importantes como Liam Neeson, Olivia Wilde, Adrian Brody e James Franco, o que, no mínimo, cria uma grande expectativa. Na verdade, as atuações ficam um pouco limitadas pelo roteiro que, a certa altura, desanda um pouco, indefinindo personagens e situações. Especialmente, no terço final, tem-se a impressão de que a pressa falou mais alto e tudo teria que ser explicado rapidamente, o que  aconteceu precariamente. Este derradeiro trecho, mal executado, não compromete muito o filme, mas deixa a impressão do que poderia ter sido e não foi, numa visão “manuelbandeirianamente”. A bela Olivia Wilde amadureceu como atriz, embora suas cenas mais memoráveis sejam as que corre nua pelos corredores do hotel onde se hospeda. 

2921 - AVE CÉSAR!

Scarlett Johansson
   
      AVE, CÉSAR! (HAIL, CAESAR!, USA, INGLATERRA, JAPÃO, 2016) – Esta produção dos irmãos Coen é uma sátira aos gêneros escapistas de Hollywood, em que o processo de produção cinematográfico é abordado com um olhar corrosivo, desmitificando astros frívolos, starlets de ar inocente e diretores com afetados sotaques europeus. Há uma atmosfera nonsense que perpassa todo o filme, o que deixa mais evidente a nem tão ultrapassada engrenagem hollywoodiana de produzir e destruir produções e personalidades. George Clooney interpreta o ator canastríssimo Baird Whitlock com os dois pés no deboche, enquanto Scarlett Johansson faz uma estrela de musicais aquáticos, no estilo Esther Williams. AVE CÉSAR! não é para todos os gostos, mas pode ser interpretado como uma declaração de amor ao cinema e às figuras, falsas ou não, que o fazem.


sexta-feira, 24 de março de 2017

2920 - STAR TREK: SEM FRONTEIRAS

STAR TREK: SEM FRONTEIRAS (STAR TREK BEYOND, USA, 2016) – Há um certo ar retrô neste terceiro filme da série, no que diz respeito à trama e a suas reviravoltas. Tudo isso serve de injeção nostálgica na veia afetiva dos fãs antigos e recentes, o que transforma STB num daqueles reencontros que lavam a alma. Os efeitos estão ótimos: é emocionante ver a Enterprise bem de perto, com todos os seus detalhes, ancorando num imenso deck espacial, ao redor do qual uma espécie de Terra 2 resplandece em cores e sons. Porém, falta ao filme o toque artístico de J.J. Abrams, pois o diretor Justin Lin (da franquia VELOZES E PERIGOSOS, putz!) não consegue segurar o peso emocional de uma edição de STAR TREK. Temos um Kirk (Chris Pine) mais contido e um Spock (Zachary Quinto) mais hamletiano do que nunca. No entanto, Simon Pegg (Scotty) é que tem a atuação mais marcante, especialmente nos diálogos afiados trocados com McCoy (Karl Urban). São emocionantes as homenagens a Leonard Nimoy e a Anton Yelchin, o oficial de comunicações Checov, morto em junho de 2016.

quinta-feira, 23 de março de 2017

2919 - TWO AND A HALF MEN - TEMPORADA 10

   
 TWO AND A HALF MEN – 10TH TEMPORADA (USA, 2012) – Se na temporada anterior – em que Ashton Kutcher substitui Charlie Sheen – ainda havia laivos de comicidade, especialmente quando os roteiros exploravam o histrionismo físico de Alan (Jon Cryer, hilário), nesta, tudo se perde. Era para ter parado na anterior. A décima edição mostrou que não havia mais o que expandir no universo de TAHM. À exceção de um episódio realmente engraçado – quando Alan e Lindsey chamam Walden para um ménage – esta temporada foi um enorme constrangimento e frustração para quem achava que a entrada de Kutcher ainda daria fôlego à série. Se na sua estreia ele ainda se saiu bem, apesar do ator sofrível que sempre foi, agora, sua canastrice e falta de talento ficaram mais que evidentes. Para piorar, temos o pior episódio da fase pós-Charlie: Alan e Walden estão em Nova Iorque, numa cena que se transforma em um grotesco musical da Broadway. Foi embaraçoso ver o ótimo Cryer participar de uma sequência tão pobre artisticamente e, sobretudo, sem a mínima graça, que apenas ajudou a enterrar ainda mais uma das melhores séries da TV. Além de Cryer, Ryan Stiles, o sensacional Herb, foi responsável pelos (poucos) momentos engraçados da temporada (veja cena abaixo).    

terça-feira, 21 de março de 2017

2918 - A LENDA DE TARZAN

    
 A LENDA DE TARZAN (THE LEGEND OF TARZAN, USA 2016) – O roteiro desta nova versão do “homem da selva” criado por Edgar Rice Burroughs em 1912 aborda a crueldade colonial na África, mais especificamente no Congo, para onde o lorde Greystoke (Alexander Skarsgard), então aclimatado e aristocratizado em Londres, retorna, em companhia de sua esposa Jane (Margot Robbie, linda de nocautear) e de George Washington Williams (Samuel L. Jackson). Christoph Waltz repete saborosamente mais um vilão de sua galeria de tipos teutônicos. De certa forma, o filme não engrena, mesmo nas cenas de ação – o uso de CGI atrapalha o ritmo e o charme da floresta se perde ao longo da narrativa. Tudo é meio previsível e sem emoção. GREYSTOKE, com Christopher Lambert, de 1984, é bem superior, embora Andie MacDowell, a Jane desta produção, nem de longe chegue aos pés de Margot Robbie.   

segunda-feira, 20 de março de 2017

2917 - SULLY O HERÓI DO RIO HUDSON


   SULLY, O HERÓI DO RIO HUDSON (USA, 2016) – Clint Eastwood retrata, aqui, o evento que mexeu com o imaginário dos nova-iorquinos, em 2009: o comandante Chesley “Sully” Sullenberger III, pousa, emergencialmente, um Airbus com 155 pessoas a bordo, no Rio Hudson, depois de as turbinas terem sugado um bando de aves que atravessaram sua rota de voo. Qualquer fato que envolva acidentes aéreos, em Nova Iorque, “aprés” o 11 de setembro, tem uma dimensão gargantuesca – e é este aspecto, juntamente com as dúvidas que as autoridades aeronáuticas lançaram sobre a decisão do piloto, que se constitui o eixo principal de SULLY. Eastwood conduz magistralmente a narração do pouso forçado e do processo de heroificação do comandante Sully (interpretado por Tom Hanks com a serenidade e a segurança do personagem real), que culmina numa eletrizante sequência de julgamento, onde o “fator humano” assume contornos essenciais e muito mais importantes do que qualquer avaliação tecnológica.   

2916 - INVASÃO ZUMBI

     
INVASÃO ZUMBI (TRAIN TO BUSAN, Coreia do Sul, 2016) – No meio do trajeto entre Seul e Busan, pai e filha percebem uma certa agitação no seu entorno. Súbito, se dão conta de as pessoas vão se transformando em zumbis e instaurando pânico nos vagões. Apesar da insistência no tema – hoje espalhado por várias plataformas – este filme traz novidades, especialmente na apresentação dos zumbis: com suas posturas retorcidas, com membros e o pescoço em ângulos anormais e o som fantasmagórico que produzem, o vigor e a grandeza do ataque fascinam, ao mesmo tempo que nos mantêm ligados o tempo todo. O desenvolvimento dos personagens está muito acima da média para um filme deste gênero. A criatividade e ousadia do diretor Sang-ho Yeon fazem deste filme uma exceção à produções apressadas de Hollywood. Sem a abordagem “cool” de THE WALKING DEAD, este TTB concentra suas forças no medo súbito que uma pandemia deste porte provoca nas pessoas.  

segunda-feira, 13 de março de 2017

2915 - CAPITÃO FANTÁSTICO

    
 CAPITÃO FANTÁSTICO (CAPTAIN FANTASTIC, USA, 2016) – CF é um filme pequeno e modesto, mas que acaba impressionando exatamente por esta falta de pretensão: é a história de um pai (Viggo Mortensen, magnífico) que cria, sozinho, os filhos, no meio do mato, pensando na educação deles como uma missão suprema, mesmo que com valores e conceitos na contramão do que é considerado “normal”. Ben Cash (Mortensen) é um radical anti-sociedade de consumo que dá aos filhos toda a disciplina – quase espartana, diga-se – necessária para o aprendizado de literatura clássica e moderna, história e atualidades, física e atualidades. Um fato os fará a ter um contato com a sociedade moderna, e o diretor Matt Ross aproveita para tirar daí a hilaridade – e reflexão - esperada deste tipo de choque cultural. CF resgata a impressão do mundo como algo vasto esperando ser explorado, de uma beleza instigante que sobressai aos olhos infantis e adolescentes (lembrei algumas vezes de A COSTA DO MOSQUITO, com Harrison Ford) e é uma crítica aos valores da sociedade de consumo. Além, claro, de exaltar a figura de Noam Chomsky, citado várias vezes por Ben. O grandíssimo Frank Langela está excelente, numa atuação marcante, como o sogro de Ben e seu crítico mais feroz.  

domingo, 12 de março de 2017

2914 - TWO AND A HALF MEN - TEMPORADA 9

     
TWO AND A HALF MEN, 9TH SEASON (USA, 2011) – Esta é a temporada que marca a entrada de Asthon Kutcher no lugar de Charlie Sheen. Revendo, agora, depois do impacto inicial – quando a atuação de Kutcher nunca me convenceu – reconheço que ele até que se sai bem, dentro do escopo do seu papel (meio bobo, diga-se) e por causa da expectativa de substituir o carisma do antigo astro. De qualquer forma, continuo achando-o mau ator, limitado e com um timing meio forçado para comédia. No entanto, depois dos primeiros episódios, ele encontra um equilíbrio cômico com Alan (Jon Cryer, mais do que nunca, hilário) e vai compondo seu Walden Schmidt de forma aceitável. Por outro lado, Cryer brilha com todo o seu histrionismo nas situações mais absurdas, com total domínio de cena e sem medo do ridículo. Seu personagem, de certa forma, se liberta da órbita de Charlie, muda sua linha de composição (passa a ser um conselheiro amoroso para Walden) e se entrega aos absurdos que inventa para continuar a morar na casa de Malibu. Atenção para o episódio “Not in my mouth”, em que Lindsay (Courtney Thorne-Smith), namorada de Alan, passa mal no avião de Walden, a caminho de Londres. Escatologicamente memorável. 

2913 - PAI E FILHAS

   
 PAIS E FILHAS (FATHERS AND DAUGHTERS, USA 2015) – Russel Crowe é um escritor, ganhador do Pulitzer, que luta para manter a guarda da filha pequena, depois de começar a ter surtos psicóticos por causa do acidente que matou sua mulher. Amanda Seyfried faz o papel da filha, 27 anos depois, em cenas que vão se intercalando para construir a história emocionante de seu relacionamento com o pai e as consequências na sua atual. Crowe, mais uma vez, arrasa com uma atuação emocionante, e Amanda dá uma dimensão de ternura e cumplicidade à influência paterna na construção de sua percepção do mundo.

sexta-feira, 3 de março de 2017

2912 - PASSAGEIROS

   
  PASSAGEIROS (PASSENGERS, USA 2016) – O mecânico Jim Preston (Chris Pratt) acordou antes da hora. Ele é uma das 5000 pessoas que viajam congeladas numa gigantesca nave, num percurso que levará décadas, para chegar a um planeta e estabelecer uma nova colônia, longe da superpopulação terrestre. Que fazer? Nada lhe dá qualquer informação sobre seu súbito despertar. Ele só dispõe da companhia de um barman androide (Michael Sheen, numa atuação deliciosa), com cuja interação Jim tenta entender (sem sucesso) o predicamento em que se encontra. Lá pelas tantas (vocês verão por que), aparece a escritora Aurora Lane, harmoniosamente acomodada no corpo perfeito de Jennifer Lawrence, para tirá-lo da solidão cósmica que até então vivera na colossal espaçonave. Rapaz de sorte, hein? Pois é, mas a dinâmica com Aurora se mostra menos fácil do que ele esperava. Ele tem que conquistá-la, e esse processo quase que acontece de modo perfeito, se não fosse a forma com que o diretor norueguês Morten Tyldum (do ótimo O JOGO DA IMITAÇÃO) sucumbiu ao drama romântico, se inclinando perigosamente para o roteiro açucarado que tanto prejudica o sangue quanto a fruição de uma história simpática e realizada com grande apuro técnico.   

quarta-feira, 1 de março de 2017

2911 - MANCHESTER À BEIRA-MAR

    
 MANCHESTER À BEIRA-MAR (MANCHESTER BY THE SEA, USA 2016) – O Oscar de Melhor Ator deste ano foi bem entregue a Casey Affleck – ele tem um desempenho devastador como Lee Chandler, um homem consumido pelo luto, que tem dentro de si uma dor imensa que ele domina pelo mutismo e aparente alheamento do mundo que o cerca. Com a morte do irmão, ele se vê como o guardião do sobrinho de 16 anos, mas não se sente confortável nesta missão. É aí que se redimensionam o sofrimento ingente que o consome (revelado numa cena dilacerante) e suas pontes com o passado, em flashbacks quase imperceptíveis que o diretor Kenneth Lonergan insere de modo cru, mas totalmente pertinente ao universo de Chandler. O mais impressionante na atuação de Affleck é a forma com que ele confere eloquência a um personagem praticamente inarticulado, cuja voz, inaudível, é ao mesmo tempo um sussurro e um choro contido. Atenção para a sua cena na delegacia – é algo para não se esquecer jamais. É um filme sobre como a tristeza pode ensinar lições valiosas que nos escapam na alegria transitória.