segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

1006 - A MALETA

A MALETA (BRASIL) – de Rodrigo Brandão, com roteiro de Gabriel Almeida. O que pode haver numa maleta? Esta pergunta, simples e aparentemente ingênua, é o ponto de partida deste instigante curta que mexe com os nervos e a curiosidade do espectador. Há muito que o cinema lida com acontecimentos inexplicáveis, a partir do surgimento/resgate/obtenção de algum objeto valioso, seja material ou espiritualmente. Um bom exemplo disso é a busca do santo Graal, já explorada em tantas produções. Esta fixação em determinado objeto é a representação do sonho humano de realizar-se, de ter poder, mesmo que isso lhe custe um preço demasiadamente alto. Para tal, mata-se e, não raro, morre. Há, neste processo de conseguimento, a evidenciação de qualidades e defeitos humanos que se superpõem aos preceitos de honra e moral estabelecidos pelo senso comum. O fato é que todos buscamos alguma coisa e nem sempre temos a real noção do que de fato queremos. É possível que a própria busca seja o objetivo. Dentro desta perspectiva, “A Maleta” nos confronta com a possibilidade de encontrar, ainda em plano terreno, a razão que nos move, durante toda a vida, na direção irrefutável da morte. No caso do curta, vida e morte parecem estar contidos na maleta, personagem principal da história. É exatamente esta maleta, cujo interior jamais é visto, que assume uma importância capital para quem a possui. Não nos esqueçamos de que o olhar deseja sempre mais do que lhe é dado ver. Daí, a maleta do filme passar a ser, a meu ver, um símbolo híbrido que comporta duas abordagens: o visível e o invisível. Se não, vejamos – o objeto em questão, a maleta, nos instila uma atitude paradoxal, já que nos fascina e nos repugna, em função dos atos realizados pelas pessoas que a cercam. É por isso que eu digo que o sensível – aquilo que está ao alcance dos sentidos – não é feito somente de coisas, mas também de tudo que nelas se desenha, mesmo no oco dos intervalos. Tudo o que nelas deixa vestígio, tudo o que nelas figura, mesmo a título de distância e como certa ausência. No caso do curta em questão, assumimos que a visão que temos dos fatos da história é o paradigma de um saber imediato, cuja certeza é tão forte que ele se garante por si próprio: o objeto (a maleta) causa mortes, desconsidera a lei dos homens, faz um personagem percorrer um trajeto místico (como nas lendas gregas) e se descobre (ou se cobre) através do elemento mítico do fogo. Entende-se que “A Maleta” é um espetáculo basicamente visual. Os tímidos diálogos parecem fazer reverência à supremacia da visão que temos (e não temos) do que acontece durante os 15 angustiantes minutos do filme. Neste sentido, os responsáveis pela produção foram notáveis: as primeiras cenas em preto e branco traduzem a perplexidade do olhar; o vermelho sanguíneo da camisa do personagem que conduz a maleta é como se um coração estivesse prestes a explodir diante de nossos olhos (novamente o modus operandi do olhar); o verde intenso do veículo contrapõe a tensão do roteiro com a sonhada/desejada paz que a chegada ao destino significaria; o amarelo crepitante da fogueira consumindo o último personagem, representando tanto o inferno como a redenção. Além do mais, a sonoplastia é impecável, entretecendo as cenas numa manta de mistério e pulsão. No mais, “A Maleta” tem esta qualidade extra: não é apenas um curta de 15 minutos, e sim um filme complexo que se renova a cada exibição, a cada percepção diferente que temos dos seus jorros simbólicos, que deve fazer tudo o que a boa arte faz: interferir, desmontar, reconstruir.