domingo, 6 de novembro de 2022

4180 - NÃO AMARÁS (1988)


 NÃO AMARÁS (A SHORT FILM ABOUT LOVE, Polônia, 1988) – O diretor Krzysztof Kieslowski, da trilogia das cores, faz, neste filme, uma homenagem dupla: primeiro, ao voyeurismo natural do ser humano; depois, ao amor, no seu sentido mais especular. Afinal, ele propõe, o amor é o que vemos ou aquilo que pensamos que vemos? Há no filme uma reflexão também em relação à narrativa amorosa, ao sugerir que não é o que é dito, o não expresso, o responsável pela marca indelével em todos nós. Portanto, Kieslowski aposta nos silêncios (não há muitos diálogos no filme; é a câmera que dialoga) do protagonista: um rapaz de 19 anos, Tomek, apaixonado por sua vizinha, uma mulher mais velha, Magda, observada por ele através de um telescópio. Sim, é através das lentes de Tomek (assim como as de Krzystof) que o filme se desenvolve – nós também somos voyeurs da concepção do diretor sobre o amor e de seus protagonistas. Por isso, o elemento vidro tem papel essencial na narrativa (assim como em BELEZA AMERICANA): a inocência transparente e a fragilidade do protagonista simbolizam a ilusão partida (vidro, de novo) por Magda, quando ela diz não haver amor, só sexo. Então, é a vez de Tomek quebrar a concha com a qual Magda se protege do risco de amar, levando-a ocupar a posição de voyeur que era dele, num adultério de condutas – isso se relaciona com a premissa do roteiro, baseada no mandamento “Não cometerás adultério”, apesar de nenhum dos protagonistas serem casados. Tomek tem papel duplo: ele é o diretor e o espectador da sua história, enquanto Magda é o próprio filme e também diretora, já que ela é o objeto especular e quem decide quais imagens podem ser vistas. No fim, Tomek se torna também o filme propriamente dito. Quando o aspecto especular sai da narrativa, na segunda metade do filme, Kieslowski expande o conceito de amor, duplicando-o como uma imagem no espelho (vidro, de novo): o amor realmente existe nos dias de hoje ou é uma coisa do passado? Uma relação amorosa é apenas sexo e orgasmos ou há algo mais transcendente além do desejo da carne? Há uma referência sutil e poética à metáfora sexual: a percepção afetiva de aumenta exponencialmente quando ele penetra nos recessos mais recônditos de Magda, ao bater na sua porta como um entregador de leite. Assim, o filme, essencialmente, nos mostra um mundo destruidor da noção do afeto (Magda diz a Tomek que ela não acredita no amor), no qual seria melhor sentar e observar o processo amoroso do que participar ativamente dele. A essa dimensão existencial, o diretor acrescenta temas como a solidão, sofrimento, vazio e a falta de comunicação – todos interconectados tão sutil quanto definitivamente. No sentido narrativo, NA é provocativo e emocionante (Tomek no telhado, Magda chorando sobre o leite derramado e a cena de cortar o coração em que ela imagina como seria sua vida com ele).  Na sua parte final, Kieslowski vai além do realismo poético e se lança no realismo mágico, sem comprometer a natureza humana do filme cujas origens estão em JANELA INDISCRETA, de Hitchcock. O filme termina com Magda imaginando tudo o que poderia ter sido e não foi, como naquele poema de Bandeira. Kieslowski é um gênio – é impressionante como alguém é capaz de desvendar tanto o misterioso universo feminino em apenas uma hora. Dica valiosa de Joe. Diretor Krzysztof Kieslowski, of the color’s trilogy, pays a double tribute: first, to the human being’s natural voyeurism; second, to love in its more specular sense. He asks: is love what we see or what we think we see? There is also a speculation about the love narrative when it implies that it rather what it not said, what is not expressed, that leaves and indelible mark upon us. So Kieslowski bets on silences (there are not many dialogues, the camera does the talking). The leading actor, Tomek, a 19-year-old boy, in love with his neighbor, an old woman, Magda, observed by him through a telescope. It is through Tomek’s lens (as well as Kieslowski’s) that the movie develops – we are also voyeurs of the director’s conception about love and his characters. That’s why the glass element is essential to the narrative (as in AMERICAN BEAUTY): his transparent innocence and fragility symbolize the broken illusion (glass again) caused by Magda when she says there is no love, only sex. Then it is Tomek’s turn to break her shell, which with she protects herself from true love, making her trade the voyeur position with him, in an adultery of behaviors – this is related to the script premise based on the religious commandment “Thou shall not commit adultery”, despite the fact that none of the characters is married. Tomek has a double role: he is both the director and the viewer, while Magda is both the story and also director, as she is the specular object and decides what images are shown. In the end, Tomek is the movie itself. When the element of peeping goes out of the way in the narrative, in the second half of the film, Kieslowski expands his concept of love, mirroring two aspects: does love really exist today or is a thing of the past? Is a romantic relationship just sex and orgasms or is there something beyond the desire of the flesh? There is a subtle and poetic reference to sexual intercourse: the moment he penetrates the innermost recesses of Magda’s intimacy, pretending to be a milk deliver. Thus, the movie displays a world in which affection is endangered (Magda tells Tomek she does not believe in love), and the thing is just sit and watch things happen without participating in the process. To this existential the director adds themes as loneliness, pain, emptiness and lack of communication, all intertwined in a very subtle and poetic way. In the narrative sense, the film is provocative and touching (Tomek on the roof, Magda crying over the spilt milk, and the heart-wrenching scene about what life might have been with him). Kieslowski goes beyond the poetic realism and takes the plunge into the magical realism, without compromising the human nature of the movie whose roots are in Hitchcock’s REAR WINDOW. The movie ends with Magda envisioning what could have been otherwise, as in Manuel Bandeira’s poem. Kieslowski is a genius: it is mystifying to me that someone can know women so deeply in the course of an hour. Joe’s valuable tip. YouTube.