O DONO DA BOLA (Brasil, 1961) – Neste filme,
dirigido por JB Tanko, Ronald Golias interpreta um personagem bem conhecido das
comédias nacionais: o ingênuo bem intencionado, meio marginalizado pela própria
inabilidade social, invariavelmente metido em situações marcadas pela comédia pastelão e
apaixonado pela mocinha, numa disputa com um outro homem, sempre um galã, ou
quase isso. Bem, aqui ele gosta de Eva (Norma Blum, lindíssima) e entra numa
triangulação com o conquistador, Fernando (Perry Salles, escolha totalmente
equivocado para o papel), durante um programa de TV. É curioso notar a
relevância da televisão naquele momento histórico: era a Hollywood local, objetivo
de todos os artistas, mesmo nas condições precárias de funcionamento, como
mostrado em várias outras produções durante a década de 60. A cópia, no YouTube, está excelente. In this film, directed by JB Tanko, Ronald Golias plays a well-known character
in the Brazilian comedies: the well-intentioned naïve, somewhat marginalized by
his own social inability, always involved in situations marked by slapstick comedy
and in love with the girl, in a dispute with another man, always a heartthrob, or
almost so. Well, here he likes Eva (Norma Blum, extremely beautiful) and gets into
a triangulation with the conqueror, Fernando (Perry Salles, totally wrong choice
for the role), during a TV show. It is curious to note the relevance of television
at that historical moment: it was the local Hollywood, the goal of all artists,
even in the precarious conditions of operation, as shown in several other productions
during the 60s. The copy, on YouTube, is excellent.
O PROTETOR 3 (THE
EQUALIZER 3, USA, 2023) – Denzel
Washington é obrigatório. No terceiro filme da franquia, Robert McCall está na
Itália e ajuda uma pequena localidade a se livrar de um grupo de criminosos
meio caricatos. Esta segunda visita ao filme confirma a tibieza do roteiro,
apesar do sempre magnífico Denzel e da presença de Dakota Fanning como uma
agente do FBI, depois de atuarem juntos no ótimo CHAMAS DA VINGANÇA, de 2004. A
bela cidade costeira de Atrani, encrustada harmoniosamente na encosta (também
locação do memorável RIPLEY, e com Dakota no elenco) é uma atração irresistível
para quem sonha em estar ali, pelo menos uma vez na vida, tomando vinho diante
do pôr do sol – e isso já seria uma bela cena da nossa vida – e digo isso lembrando
de planos oníricos deixados na longa estrada que transforma tudo em quase nada.
Dakota Fanning adota, neste filme, a mesma atuação contida (e encantadora)
oferecida em RIPLEY: é um estar, sem estar realmente ali, mas, ao mesmo tempo,
apenas movida pelo silêncio, mostrar um entendimento profundo do mundo ao redor,
discreta, como se apenas entendesse o inexplicável com o olhar, substantivo e
verbo, algo que só Scarlett Johansson faz. Denzel Washington is mandatory. In the third film
of the franchise, Robert McCall is in Italy and helps a small town to get rid of
a group of criminals who are a bit caricatured. This second visit to the film confirms
the lukewarmness of the script, despite the always magnificent Denzel and the presence
of Dakota Fanning as an FBI agent, after acting together in the great MAN ON
FIRE, from 2004. The beautiful coastal town of Atrani, harmoniously embedded in
the hillside (also the location of the memorable RIPLEY, and with Dakota in the
cast) is an irresistible attraction for those who dream of being there, at least
once in their lives, drinking wine during the sunset – and that would already be
a beautiful scene of our lives – and I say this remembering dreamlike shots left
on the long road that turns everything into almost nothing. Dakota Fanning adopts,
in this film, the same restrained (and charming) performance offered in RIPLEY:
it is to be present, without really being there, but, at the same time, only moved
by silence, showing a deep understanding of the world around her, discreet, as if
she only understood the inexplicable with her gaze, noun and verb, something that
only Scarlett Johansson does. Prime.
8 ½ (Itália, 1963) – Essa obra-prima de Fellini é uma experiência a ser revisitada de
tempos em tempos, em função dos múltiplos níveis de interpretação oferecidos pelo
roteiro autobiográfico do marido de Giulietta Masina. Marcello Mastroianni é
Guido, um diretor com bloqueio criativo e uma série de traumas existências cuja
origem está no caldo de cultura latina da Itália do pós-guerra, envolvendo a
influência da igreja católica, o fantasma do pecado, conflitos com a relação
materna, a reconstrução do país no sentido cultural, depois da onda neorrealista
de Rosselini. Uma coisa é certa: não é um filme para se ver apenas uma vez – 8 ½
é como se fosse uma dízima periódica narrativa, capaz de estabelecer
identificações com todo tipo de público. Basta ter paciência, como a história
tão bem coloca. E, além do mais, Fellini conseguiu a perfeita tradução da
beleza feminina, um dos anseios de Guido: Claudia Cardinale. This masterpiece by Fellini is
an experience to be revisited from time to time, due to the multiple levels of interpretation
offered by the autobiographical script of Giulietta Masina's husband. Marcello Mastroianni
is Guido, a director with creative block and a series of existing traumas whose
origin is in the Latin culture of post-war Italy, involving the influence of the
Catholic Church, the ghost of sin, conflicts with the maternal relationship, the
reconstruction of the country in the cultural sense, after Rosselini’s neorealist
wave. One thing is for sure: it is not a film to be seen only once – 8 1/2 is as
if it were a periodic narrative tithe, capable of establishing identifications with
all types of audiences. Just be patient, as history puts it so well. And, moreover,
Fellini achieved the perfect translation of feminine beauty, one of Guido's desires:
Claudia Cardinale. DVD.
TEMPOS MODERNOS
(MODERN TIMES, USA, 1936) – O funcionário de
uma fábrica começa a enlouquecer diante da automação de suas tarefas e passa a
desafiá-las numa sequência memorável, na qual brinca com as peças fabricadas,
enfrenta o patrão e os companheiros de trabalho, entra nas engrenagens da
enormes máquinas que, literalmente, o engolem – assim começa essa clássico de
Chaplin, um libelo contra a despersonalização imposta pelas grandes indústrias
aos responsáveis por elas, os operários anônimos, e por vezes esquecidos, sem
os quais nada funciona. Ou não deveria funcionar. Num filme premonitório do quase
descarte total do elemento humano na linha de produção das grandes indústrias,
Chaplin mostra um a revolta contra um sistema opressor, numa sociedade incapaz
de, minimamente, alimentar sua população. E é exatamente o elemento comida o
fio condutor da história: quase todas as sequências contêm referências à alimentação
– ou a falta dela -, principalmente por causa da personagem de Paulette Goddard,
uma espécie de Robin Hood de saias, simbolizando a resistência das pessoas sem
trabalho e sem tem o que comer. A partir deste filme, a imagem pública de
Chaplin ficou diretamente ligada à política, deixando-o sob o olhar atento da
paranoia anticomunista americana. Revisitar o filme é um prazeroso exercício de
compreensão de uma época marcada por grandes contrastes sociais nos EUA e mais
uma constatação do gênio de Chaplin, capaz de, logo no início do filme, mostrar
a voracidade também da indústria cinematográfica, ao emular na cena em que é engolido
pelas engrenagens da fábrica, um corte transversal de uma câmera de filmagem. Gênio é pouco para ele. The employee of a factory begins
to go crazy in the face of the automation of his tasks and starts to challenge them
in a memorable sequence, in which he plays with the manufactured parts, faces the
boss and his co-workers, enters the gears of the huge machines that literally swallow
him – this is how this classic by Chaplin begins, a libel against the depersonalization
imposed by large industries on those responsible for them, the anonymous, and sometimes
forgotten, workers without whom nothing works. Or it shouldn't work. In a film that
foresees the almost total discarding of the human element in the production line
of large industries, Chaplin shows a revolt against an oppressive system, in a society
incapable of minimally feeding its population. And it is exactly the food element
that is the common thread of the story: almost all the sequences contain references
to food – or the lack of it – mainly because of Paulette Goddard's character, a
kind of Robin Hood in skirts, symbolizing the resistance of people without work
and without anything to eat. From this film on, Chaplin's public image was directly
linked to politics, leaving him under the watchful eye of American anti-communist
paranoia. Revisiting the film is a rewarding exercise in understanding a time marked
by great social contrasts in the USA and another observation of Chaplin's genius,
capable, right at the beginning of the film, of showing the voracity of the film
industry as well, by emulating in the scene in which he is swallowed by the gears
of the factory, a cross-section of a film camera. Genius is not enough for him.
O PROTETOR 2 (THE EQUALIZER
2, USA, 2018)– Robert McCall
(Denzel Washington, obrigatório, sempre) ganha a vida dirigindo um carro de
aplicativo em Boston e, eventualmente, se dedica a ajudar pessoas em perigo,
como no primeiro O PROTETOR, de 2014, também dirigido por Antoine Fuqua. Denzel
é um desses atores maiúsculos, capazes de tornar a história de seus filmes um
simples acessório para seu talento. Assim, OP 2 projeta o imenso carisma de seu
protagonista para muito além de um roteiro inicialmente interessante, mas inconsistente
no seu terço final. O ponto alto é a cena na qual ele dá uma lição de moral ao jovem
traficante morador do modesto prédio onde ambos vivem. Pedro Pascal tem uma
atuação tépida e seu personagem não mostra a ambiguidade esperada até o twist
final. Mas nada disso importa: temos em cena Denzel Washington, e isso é um
privilégio para seus coevos.Robert McCall (Denzel Washington,
obligatory, always) makes a living driving an app car in Boston and eventually dedicates
himself to helping people in danger, as in the first PROTECTOR, from 2014, also
directed by Antoine Fuqua. Denzel is one of those capital actors, capable of making
the story of his films a simple accessory to his talent. Thus, TE 2 projects the
immense charisma of its protagonist far beyond an initially interesting script,
but inconsistent in its final third. The highlight is the scene in which he gives
a moral lesson to the young drug dealer who lives in the modest building where they
both live. Pedro Pascal has a tepid performance and his character does not show
the expected ambiguity until the final twist. But none of that matters: we have
Denzel Washington on stage, and that's a privilege for his coevals. Prime.
SUPERMAN – THE CHRISTOPHER REEVE STORY
(USA, 2024) – Emocionante documentário sobre a
vida de Christopher Reeve e seu mais famoso papel no cinema. A segunda parte é
dedicada ao acidente que o deixou tetraplégico e ao amor de sua esposa, Dana,
durante todo o período de intenso sofrimento, para ela e para a família. A história
de Reeve sempre vai fazer o paralelo com a imagem do Super-Homem, e esta conexão
foi tão intensa na época do lançamento do primeiro filme, que a tragédia da
queda do cavalo, numa prova de equitação, pareceu uma ficção aos olhos dos seus
admiradores. Imagens marcantes de Reeve em casa, com seu amigo Robin Willians e
depoimentos sensíveis de seus filhos. Touching documentary about Christopher Reeve’s life and his most famous film
role. The second part is dedicated to the accident that left him quadriplegic and
the love of his wife, Dana, throughout the period of intense suffering, for her
and their family. Reeve's story will always parallel the image of Superman, and
this connection was so intense at the time of the release of the first film, that
the tragedy of the fall from the horse, in a riding event, seemed like a fiction
in the eyes of his admirers. Striking images of Reeve at home, with his friend Robin
Williams and sensitive testimonies from his children. Prime.
UM AMOR INESPERADO (EL AMOR
MENOS PENSADO, Argentina, 2018) – O cinema argentino é bom até quando erra. O filme de Juan Vera trata de
uma separação: Marcos (Ricardo Darín) e Ana (Mercedes Morán) estão em crise,
principalmente depois da viagem do único filho para estudar na Europa. O roteiro
(sim, previsível) leva o casal a vários relacionamentos superficiais, durante
os quais os dois protagonistas se questionam sobre a natureza de seus
sentimentos e a conexão inevitável de suas aspirações. Não é o melhor filme
argentino, até porque conta com o grande Darín, mas é muito, mas muito, melhor
do que qualquer filme brasileiro. Argentinean cinema is good even when it makes mistakes. Juan Vera's film
deals with a separation: Marcos (Ricardo Darín) and Ana (Mercedes Morán) are in
a wedding crisis, especially after their only son's trip to study in Europe. The
script (yes, predictable) leads the couple into several superficial relationships,
during which the two protagonists question each other about the nature of their
feelings and the inevitable connection of their aspirations. It's not the best Argentine
film, despite the great Darín’s presence, but it's much, much, better than any Brazilian
film. Disney Plus.
JURADO # 2 (JUROR #2, USA, 2024) – Clint
Eastwood é obrigatório. No seu quadragésimo filme como diretor, ele propõe
questões essenciais – e incômodas – constituintes de dilemas morais e do âmago
de um roteiro enxuto, mas não menos profundo: verdade e justiça são conceitos indissociáveis
ou instâncias que eventualmente se encontram? Justin Kemp (Nicholas Hoult,
excelente) é escolhido para o júri de um caso de homicídio e descobre uma
possível participação sua no evento. A partir daí, Clint no leva a exercitar o
que ainda há de empatia em nós, a simples capacidade de se colocar no lugar do
outro, baseado num tipo peculiar de universalidade inserta num mundo que parece
ocorrer mediante um juízo existencial de não vacuidade e sem a pretensão de uma
universalidade abrangente, pois, afinal de contas, por mais que façamos, nunca
poderemos nos livrar do peso de nossas escolhas. Uma obra-prima. Clint Eastwood is a must. In his
fortieth film as a director, he poses essential – and uncomfortable – questions
that constitute moral dilemmas and the core of a lean but no less profound script:
are truth and justice inseparable concepts or instances that eventually meet? Justin
Kemp (Nicholas Hoult, excellent) is chosen to be on the jury in a murder case and
discovers his possible participation in the event. From there, Clint leads us to
exercise what is still empathetic in us, the simple ability to put oneself in
the place of the other, based on a peculiar type of universality inserted in a world
that seems to occur through an existential judgment of non-emptiness and without
the pretension of an all-encompassing universality, because, after all, no matter
how hard we try, we can never free ourselves from the weight of our choices. A masterpiece.
Max.