sábado, 31 de agosto de 2013

2129 - O ÚLTIMO ELVIS

(EL ÚLTIMO ELVIS, Argentina 2012) - eu sei que já falei que o cinema argentino dá um baile (de tango) no brasileiro. Temos comparações a mancheias. Mesmo levando em conta que apenas a nata da filmografia dos hermanos desembarca em nossas salas, o cinema de lá é muitíssimo superior ao nosso atual, que se contenta em requentar programas de televisão e transpô-los preguiçosamente para a tela grande. É um cinema descerebrado para um público idem. Em O ÚLTIMO ELVIS, vemos como a simplicidade e a falta de pretensão resultam num trabalho singelo e eficiente. O professor universitário John McInerny, considerado um dos melhores covers latinos de Elvis, faz sua estreia no cinema na pele do protagonista, Carlos Gutiérrez, funcionário de uma fábrica que, nas horas vagas, solta o vozeirão apresentando-se em qualquer lugar em que receba algum dinheiro. O patético habita seu cotidiano e sua figura - Carlos não só se veste como Rei do Rock mas, além disso, tem certeza de que é Elvis. Em seu primeiro trabalho na direção, um dos roteirista de BIUTIFUL (2010), Armando Bo, nos apresenta um personagem desgostoso, por vezes desagradável, mas imbuído da missão de reverenciar seu ídolo com um entrega absoluta e emocionante.
 

2128 - BUSCA IMPLACÁVEL 2

(TAKEN, USA 2012) - Como sequência, "Busca Implacável 2" perde um pouco da originalidade. Mas não é por isso que o novo filme fica abaixo de seu antecessor. Enquanto o primeiro possuía um ritmo acelerado e virtuoso, potencializado por diálogos furiosos (parodiados em séries de TV e na internet), a continuação perde essa força. Mesmo Liam Neeson, que conseguia injetar drama mesmo durante a pancadaria, mostra-se visivelmente mais retraído na sequência da franquia. Aqui, o roteiro é mais que sofrível, em muitas sequências o raciocínio lógico passa longe e os atores parecem que só tardiamente se deram conta da bobagem que fizeram ao aceitar fazer parte deste lixo cinematográfico realmente implacável. 
 

2127 - BELEZA AMERICANA

(AMERICAN BEAUTY, USA 1999) - este é um dos melhores filmes "ever". Sempre que o vejo, confirmo esta premissa. Tudo está próximo da perfeição, da história, irretocável, à atuação do elenco mais do que inspirado. Para mim, certamente, é o melhor filme de Kevin Spacey, que faz um personagem memorável, Lester Burnham, um pai de uma família desajustada que resolve romper com a vida desinteressante que vinha tendo, para descobrir e vivenciar uma liberdade como nunca na sua existência. Sua atração pela sedutora amiga da filha é uma referência clara a LOLITA, de Nabokov. tanto que o nome do seu personagem é um anagrama para "Humbert learns". Mas a riqueza do roteiro é tamanha, que há muito mais a ser observado: a crítica a um certo modo de vida da classe média, que aprisiona as pessoas sem que elas tenham a mínima noção disso, o perfil "voyeurista" do rapaz "misfit" que se apaixona pela filha de Lester, os jogos de sedução manipuladores das mulheres bonitas, a homofobia disfarçando a natureza sexual reprimida dos machões etc. Tudo gira me torno de vários simbolismos (o saco plástico "dançando" ao vento) que, ao serem identificados, vão nos tornando mais conscientes das hipocrisias cotidianas, além, evidentemente, da beleza oculta, proustianamente, naquilo que habituamos a ver. Talvez, o aspecto mais especial deste filme seja a forma sutil e crível como os personagens se relacionam, costurando suas histórias pessoais de uma forma natural e, ao mesmo tempo, fantástica. Num papel pequeno, Scott Bakula, o Capitão Archer, de ENTERPRISE. Nota máxima para o supracitado Spacey, Annete Benning, Wes Bentley e o grandíssimo Chris Cooper. E, claro, para o diretor Sam Mendes, que estreou com o pé direito.
 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

2126 - OS PRIMEIROS HOMENS NA LUA

 
(THE FIRST MEN IN THE MOON, USA 1964) - baseado numa história de HG Wells, o filme é um desses momentos raros do cinema da década de 60. Os atores daquela época pareciam vivenciar profundamente os personagens, especialmente os de época, como é o caso aqui. Quando os primeiros astronautas chegam à Lua, descobrem que ela já havia sido visitada por pioneiros ingleses, no final do século XIX. Ao investigarem o episódio, conseguem localizar um dos responsáveis pela façanha, agora internado num asilo. Os efeitos especiais são pilotados pelo mestre Ray Harryhausen. Atenção para um detalhe gramatical que só faz sentido em inglês; a preposição "in", no título original, é uma dica precisa sobre como o filme vai se desenrolar.
 

2125 - OS ESTAGIÁRIOS

(THE INTERNSHIP, USA 2013) - esta comédia aparentemente despretenciosa é dirigida para quem gosta muitos dos atores principais, os simpáticos Vince Vaughn e Owen Wilson. No mais, há umas cinco ou seis piadas que funcionam - isso até a primeira hora de exibição - para depois se perder num roteiro meio arrastado, que tem como premissa a ida dos dois para a sede da Google, depois de terem perdido seus empregos como vendedores de relógios, veja só. Aí, o filme apresenta sua primeira falha: fica difícil de acreditar que dois adultos jovens não tenham a menor noção de como funciona o mundo dos computadores. Mas é daí que saem as melhores piadas, embora muito previsíveis. Depois dos créditos, a gente fica com impressão de que assistiu a uma grande peça publicitária institucional da Google que, além de ter bancado a produção, aproveita para fazer propaganda de seus produtos.
 

2124 - JUSTIÇA CEGA

(INTERNAL AFFAIRS, USA 1990) - um dos melhores filmes da década de 90, JUSTIÇA CEGA mereceria um título em português mais adequado ou, pelo menos, mais próximo do original. As atuações um grau acima do ponto de ebulição que os protagonistas, Richard Gere e Andy Garcia, entregam ao espectador são arrebatadoras de tão viscerais. É fato que Gere e Garcia não se deram bem durante as gravações e, por isso mesmo, as manifestações de raiva de um em relação aos outro parecem bem verossímeis. A história é simples: Gere é um policial corrupto e com ligações de cooperação com o submundo do crime, e Garcia é o agente da Corregedoria que chega ao DP para apertar o cerco a estes maus oficiais. Aos poucos, e naturalmente, acaba se vendo frente a frente com Gere que, por sinal, tem seu melhor papel até então, um dos personagens mais complexos da ficção policial da época, graças ao tratamento irônico dado pelo diretor Mike Figgs ao roteiro de Henry Bean. A bela Nancy Travis faz a idem esposa de Garcia.
 

2123 - MARILYN: THE LAST SESSIONS

(MARILYN, DERNIÈRES SÉANCES, FRANÇA 2008) - documentário sobre os anos finais da vida de Marilyn Monroe, mostrando muito do que já sabemos sobre a vida da estrela e sua morte dramática. Como estou lendo uma das várias biografias da atriz, achei que podia dar uma conferida em alguns dados, e muita coisa tem a ver, de fato, com o livro OS ÚLTIMOS ANOS DE MARILYN, de Keith Badman. Embora, como já disse, quase tudo - se não tudo mesmo - já tenha sido dito sobre MM, a história fascina, devo dizer, porque mostra como pode ser selvagem a vida dos astros de Hollywood. Tanto o livro quanto o filme, me levam a ver MM como uma nova versão de Dorian Gray, cujo sucesso e derrocada começam e terminam no ambiente especular do "espelho", seja na forma original, seja nas projeções das salas de cinema. Além disso, gosto de ver, mais uma ver, o amor de Joe DiMaggio, segundo marido de Marilyn, tem por ela, até o fim da vida - não deixa de ser uma história de profiundo amor (a única em sua vida) que talvez a própria atriz não tenha percebido. O documentário é baseado nas supostas gravações de sessões psicanáliticas que ela teve com seu Svengali, o dr. R. Greenson.
 

domingo, 25 de agosto de 2013

2122 - TED

(TED, USA 2012) - muito melhor do que as outras "comédias para marmanjos", que teve seu ápice na constrangedora série SE BEBER, NÃO CASE (o título em português é tão ruim quanto os filmes), TED não tem apelações grosseiras e é muito mais inteligente e perspicaz. É um filme divertido, leve e, para quem quiser ir um pouquinho mais fundo, com uma abordagem bem legal para os dramas da maturidade tardia. A história envolve um romance, entre John e Lori (Mark Wahlberg e Mila Kunis) e tem um urso de pelúcia como protagonista. Mas não se trata de um personagem fofinho nem infantil; na companhia de John, Ted adora assistir à ficção trash FLASH GORDON (1980), sempre acompanhado de cerveja e algumas substâncias ilícitas. Longe de ser um modelo, Ted transa com prostitutas e adora uma balada. Nem preciso dizer que a criação digital do ursinho é mais que perfeita. Como falei, TED incide numa graça menos ofensiva do que seus genéricos e, o que é uma curtição a mais, é recheado de citações do universo pop. Quem pescar as piadas - sempre inteligentes - vai saber que assistiu a uma das mais bacanas comédias do ano.
 

2121 - MILLENNIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES

(THE GIRL WITH THE DRAGON TATOO, USA, SWEDEN, NORWAY, 2011) - esta versão de David Fincher para o original sueco conserta muita coisa que o original deixou de fora, principalmente em termos de adaptação do livro de Stieg Larsson. O que gostei mais neste filme foi uma referência, intencional ou não, ao clássico BLOW UP (1966), de Antonioni, que aparece quando Mikael (Daniel Craig, excelente) começa a desvendar o crime que investiga ao manipular fotos antigas, até descobrir as minúcias sutis que passariam despercebidas aos olhos comuns. No mais, MILENNIUM é um filme sobre misóginos, um tema que é atribuído ao diretor, sempre com críticas, como aconteceu em A REDE SOCIAL. O personagem de Rooney Mara. Se a relação não é intencional, certamente há uma constante: a Lisbeth de Mara é uma heroína tipicamente fincheriana, brutalizada por uma sociedade de homens como era, também, a Ripley de ALIEN 3 ou, em menor grau, a Jodie Foster de QUARTO DO PÂNICO. Até encontrar Mikael , Lisbeth caminhava para a substituição do homem (a vingança fálica contra o burocrata, o encontro com outra garota na balada). Lisbeth se apega a Mikael porque encontra nele algo que ela valoriza em si: uma morbidez, um orgulho de ser marginalizado, autosuficiente. São valores que Fincher, pelos seus filmes (a morbidez é declarada), também parece cultivar.
 
 

sábado, 24 de agosto de 2013

2120 - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE

(THE DARK KNIGHT RISES, USA 2012) - este último filme da trilogia de Chis Nolan sobre o Homem-Morcego é perpassado pela dor física e psicológica do seu personagem central. Batman acaba sofrendo no embate direto com o vilão da vez, Bane, que, pelo menos a mim, não convence como o catalisador de toda a maldade possível, como o filme quer vender. Como aconteceu em toda a trilogia de Batman, e neste último episódio em particular, o bem é dúbio, relutante e eivado de conflitos. Por conseguinte, o mal tem tantas facetas e tantas lógicas que nem sempre é possível reconhecê-lo ou mesmo compreendê-lo. É fácil percebermos isso durante o filme, que mantém o clima sombrio e depressivo dos personagens. Não gostei de muitos trechos em que o diálogo soa muito artificial, explicadinho demais, como se o roteirista advinhasse as dúvidas do espectador na sequências mais essenciais. No mais, tecnicamente, o filme beira a perfeição, de tão realistas são os efeitos, com resultados deslumbrantes nas cenas de ação, sobretudo.  A Mulher-Gato de Anne Hathaway é um personagem perfeitamente dispensável e nem de longe chega às patinhas perfeitas da Mulher-Gata, digo, Gato, feita por Michelle Pffeifer, no filme de Tim Burton. No todo, o filme coroa com êxito o trabalho de um grande diretor como Nolan. Assim como ele, porém, é Christian Bale, a outra peça fundamental deste imenso projeto, quem de fato se supera aqui, com um desempenho nada menos do que irrepreensível. Em O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE, Bale é inspirador em vários níveis, principalmente no que diz respeito ao renascimento do homem por trás do herói. Por isso, a minha imensa decepção ao ouvir, esta semana, que Ben Affleck vai ser o próximo Batman, no filme em que aparece com o Super-Homem. Apesar de ter se revelado um bom diretor, Affleck é um ator sofrível. Batman não merecia... Os extras do Blu-Ray são bons, mas o destaque vai para um documentário muito legal sobre os vários batmóveis do cinema.
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

2119 - O NEGÓCIO

(BRASIL, 2013) - série produzida pela HBO sobre prostitutas de luxo que aderem a técnicas de marketing para alavancar seus lucros no universo do alto luxo paulista. Tecnicamente, o episódio de estreia ficou muito bem feito, com uma edição rápida que, didaticamente, mostrou as orientações dos personagens femininos principais: as belas Juliana Schalch e Rafaela Mandelli e a nem tanto Michelle Batista. As três prostitutas resolvem fazer uma revolução no setor da economia em que trabalham, o que causa uma surpresa que me pareceu meio fora de lugar e forçada, principalmente numa cidade grande como São Paulo. O primeiro episódio mostra, basicamente, beleza, que é o produto principal das protagonistas e de seus personagens. De fato, Juliana Schalch impressiona pelo sorriso mesmerizante, e Rafaela confirma as belas curvas já consabidas. Em termos de argumento, a história pode muito bem se desviar para o apelo fácil da rotina escancarada de prostitutas bonitas, o que não é nada demais, mas que fica deslocado, se for só isso. Uma produção assim tão sofisticada requereria um roteiro idem. A ver.
 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

2118 - CÍRCULO DE FOGO

(PACIFIC RIM , USA 2013) - este filme traz duas coisas de que eu, particularmente, gosto muito: monstros e robôs gigantes. Claro que um filme com esta configuração de elenco só podia mesmo ser barulhento, com muita destruição e quase nenhuma cena parada. O diretor Guillermo DelToro é um especialista em enredos estranhos, mas eu gosto um bocado dele justamente porque sua abordagem é sempre séria, por mais que os argumentos sejam fantasiosos, como é o caso aqui: uma fenda no Pacífico libera monstros que vão atacar a humanidade. Os cientistas de plantão resolvem construir robôs gigantes (oba, oba!) para combatê-los, e DelToro põe isso em prática de modo muito natural, como se estivesse dirigindo uma guerra comezinha entre gangues num subúrbio de Nova Iorque. Deixando bem claro: os diálogos seguem a linha rasteira deste tipo de filme, mas, em contrapartida, o ator-assinatura de DelToro, Ron Pearlman (excelente!), está no elenco, e isto já é uma atração para quem gosta deste ícone da sétima arte. O filme tem seu valor por não ser um "remake", ou versão de série de TV, como acontece com a maioria dos "hits" americanos. Tudo é uma homenagem aos monstros dos filmes de Godzilla, que o diretor tanto admira. Por sinal, DelToro é um sujeito que usa toda a sua imaginação inesgotável quando faz um filme pop, vide HELLBOY, e também em uma obra autoral, como em O LABIRINTO DO FAUNO - para ele, não há diferença, desde que a imaginação esteja trabalhando no seu limite transformador e estético. Se monstros e robôs não são a sua praia, evite. Mas, você nunca vai saber o que está perdendo...

2117 - THE BLING RING - A GANGUE DE HOLLYWOOD

(THE BLING RING, USA 2013) - o que mais me chama a atenção neste filme é a curiosa, rara e admirável situação de se ter, numa mesma família, dois de seus componentes - e diretamente ligados por laços sanguíneos - que se expressam pelo mesmo meio, o cinema, mas de forma agudamente diferente. Falo de Sofia Coppola, diretora deste filme, e de seu pai, Francis. Enquanto o patriarca é um dos cineastas mais operísticos e ambiciosos que a indústria americana do entretenimento já produziu, os filmes de Sofia são quase um hai-kai de tão enxutos e aparentemente simples, sempre quietos e calculados, mas invariavelmente interessantes, originais e importantes, como os do pai. O excelente ENCONTROS E DESENCONTROS, que comentei posts atrás, é um exemplo disso. Isso é que me fascina: duas pessoas da mesma família, com a mesma vocação, se manifestando de formas tão diferentes e grandiosas. Quais as chances de isso acontecer? Pouquíssimas, quando penso que só conheci uma mulher na minha vida que tivesse tanta afinidade com o pai. Pois bem, BLING RING fala de um bando de adolescentes riquinhos de Beverly Hills, que cismam de entrar nas casas das celebridades duvidosas da hora, e das quais eles gostavam, para roubar roupas e acessórios e curtir com os amigos. Sofia Coppola enfoca, com sua distância característica, dois aspectos fundamentais para se entender uma geração de desmiolados: o apelo do consumismo desenfreado e a atração pela exposição pública - sim, estes debiloides postaram fotos de tudo que roubaram na Internet, até serem pegos pela polícia. Temos, então, uma parábola da arrogância tão comum de muitos jovens de hoje em dia. Ah, a inglesa Emma Watson, de HARRY POTTER, tem uma atuação excelente e assaz convincente como uma patricinha do Vale do Silício.

sábado, 17 de agosto de 2013

2116 - SOMBRAS DA NOITE

(DARK SHADOWS, USA 2012) - os filmes de Tim Burton são, antes de tudo, para serem vistos, literalmente. O apuro visual de suas obras quase que ultrapassa seu talento para abordar histórias tão estranhas quanto interessantes. Assim, em DARK SHADOWS, Burton volta a se divertir, embora nem sempre consiga fazer o mesmo com o espectador, contando a história de Barnabas Collin (Johnny Depp), um vampiro que, após 200 anos, acorda no emblemático ano de 1972, para tentar salvar seus parentes da falência. Depp, ator-grife de Burton, continua com sua linhagem de personagens esquisitos - e fascinantes - com uma atuação meio abúlica, um tanto preguiçosa, é verdade, mas, ainda assim, mantendo a inquestionável química com o diretor. O filme também conta com a beleza agressiva de Eva Green, dona do par de seios mais belos do cinema contemporâneo - além e ótima atriz. Há sequências supostamente engraçadas, especialmente sublinhadas por um trilha sonora retrô, que se constituem numa novidade no universo burtoniano, mas que são um contraponto no roteiro que, em tese, não apresenta qualquer elemento gótico que justifique a classificação de "comédia de horror". 
 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

2115 - O HOMEM AO LADO

(EL HOMBRE DE AL LADO, Argentina 2009) - o cinema argentino continua a dar de 10 a 0 no nosso, principalmente em termos de roteiro. Este filme comprova, mais uma vez, esta afirmação e ainda faz, por vias transversas, uma homenagem ao gênio da arquitetura moderna, Le Corbursier, cuja única casa com sua assinatura está, exatamente, em Buenos Aires. Mora na casa, com esposa e filha, o designer Leonardo (Rafael Spregelburd).
Uma das primeiras imagens que temos de Leonardo é a foto que estampa o seu site oficial. Vive da aparência do sucesso, enfim, esse poliglota de óculos de armação grossa, que desenha e coleciona mobiliário e objetos de vanguarda para combinar com sua casa modernista. O problema, como sempre, são os outros, como diria Sartre. O vizinho, Victor, começa uma reforma e abre na parede que dá vista para a sala de Leonardo um rombo e argumenta que apenas quer uma janela para aproveitar os raios de sol, diz, mas Leonardo surta, acha a janela uma invasão de privacidade. Victor é o típico machão cafona e isso só inflama a cizânia. Desse choque de opostos, típico de comédias sobre vizinhos, o filme tira o seu humor de constrangimento. Victor, por exemplo, por ser um tipo sem meias palavras, é sempre filmado frontalmente. Quando bate à porta de Leonardo, a câmera se coloca no ombro do designer e fica o tempo todo fechada no close-up em Victor. Em oposição, Leonardo "se esconde" da câmera. Em uma das cenas, conversa com a esposa na cozinha e o armário tampa seu rosto. Sua imagem no espelho no quarto da filha se espelha em pedaços. Quando se revela, falando mal de um amigo, Leonardo o faz no escuro. O personagem está cercado de "ruídos" (o kitsch da camiseta do Kiss da empregada e dos passos de dança da filha, por exemplo), mas cria para si uma fantasia clean - que inclusive o impede de lidar de frente com os problemas que não envolvam sua superioridade hierárquica. Como já falei linhas acima, o enquadramento é fundamental e nos dá uma dica preciosa sobre a natureza dos personagens principais: Leonardo em primeiro plano, só sua silhueta, diante do janelão que revela as cores do parque arborizado ao fundo. Essa forma como os diretores enquadram o personagem e o exterior é essencial para entender o isolamento, travestido de bem estar, que as pessoas se impõem hoje em nome de uma suposta segurança. O Homem ao Lado homenageia, no fim, não a arquitetura de Le Corbusier e sua defesa da funcionalidade, mas seu senso de urbanismo, além de nos levar a uma reflexão sobre as relações nem sempre humanas entre pessoas que vivem próximas.
 

 

2114 - A CORRIDA DO SÉCULO

(THE GREAT RACE, USA 1965) - o diretor Blake Edwards faz uma homenagem a Oliver e Hardy com  os personagens de Jack Lemmon e Peter Falk, Dr. Fate e Max, dupla que antagoniza com o herói perfeito interpretado até com certa indiferença por Tony Curtis, o Grande Leslie, no filme. A história conta os preparativos e a realização de uma corrida entre Nova Iorque e Paris, no início do século XX. Fate e Max lançam mão de todos os meios para impedir Leslie de continuar na disputa, incluindo sensacionais maquininhas retrô-futuristas, que nos remete às aventuras do Coyote e do Papa-Léguas, além, claro do Dick Vigarista, de A Corrida Maluca. Muitos destes "gagets" estão atualmente em exposição em vários museus nos EUA, em função do enorme sucesso do filme, que já dura há décadas. Aliás, Lemmon está sensacional neste papel cômico - faz, inclusive um outro personagem no fim "pastelão" do filme que é engraçadíssimo. Natalie Wood, com um papel feminista, está linda como sempre, além de usar seu talento para dosar equilibradamente a composição da repórter que acompanha a famosa corrida e, óbvio, se transformar no objeto romântico de Leslie. Os cenários são maravilhosos, e há de se prestar atenção em vários detalhes sutis.  A trilha sonora é inesquecível. Excelente!
 

sábado, 10 de agosto de 2013

2113 - A SEPARAÇÃO


(JODAEIYE NADER AZ SIMIN, Irã, 2011) - este é o tipo de filme que só de muito em muito tempo surge, seja onde for. O curioso é ter vindo exatamente do Irã, numa época em que o então presidente Ahmadinejad vociferava suas ambições aniquiladoras e perseguia as mentes criativas do seu país. Mas o filme é estupendo! Não bastasse isso, A SEPARAÇÃO é uma magnífica peça de cinema, construída sobre um roteiro superlativo, visualmente executada de forma a fazer o que está no papel repercurtir muito além do que se poderia pôr em palavras e confiada a atores que compartilham com seu diretor a necessidade de se expressar. A história é múltipla e fraturada, dividida entre impulsos divergentes rumo à religião e ao secularismo, à arbitrariedade e ao direito. Vemos, então, uma sociedade cheia de espaços indefinidos entre seus diversos compartimentos, espaços estes propícios à fricção e ao imprevisto - uma visão em que a trama espelha até em seu próprio desenrolar. O impressionante no filme, entre tantas coisas, é a façanha do diretor de não tomar partido de nenhuma das vertentes do roteiro e, assim, conquistar a solidariedade do espectador para a dicotomia inserta na história, expondo com imagens e palavras a ambiguidade dos conceitos de verdade e justiça dentro da sociedade moderna iraniana. Uma obra-prima! 
 

2112 - TRAMA MACABRA


(FAMILY PLOT, USA 1975) - Seguindo a fórmula de Intriga Internacional, Trama Macabra traz dois elementos que Hitchcock sabia utilizar como ninguém: suspense e humor. Um não se sobrepõe ao outro, e por isso o filme é tão gostoso de se assistir: a toda hora estamos experimentando uma sensação diferente, como aflição ou contentamento. Sendo este o último filme de sua genial carreira, parece que Hitch, aos 75 anos e muito doente, comanda tudo com leveza e intencional desleixo que faz de alguma falhas no roteiro e principalmente nas atuações dos protagonistas um charme involuntário, mas muito bem vindo. Revi este filme agora, por causa da morte recente de Karen Black, uma das atrizes principais e que, por sinal, era totalmente desprovida de talento dramático. Mas Hitch é um gênio - isso é o que importa. A cena - hilariante - do carro, já famosa nos meios cinemáticos, está aí embaixo. Deleite-se.
 

2111 - ANTICRISTO

(ANTICHRIST, Dinamarca, Alemanha, França, 2009) - Lars von Trier é um diretor de muito talento e se encanta em manipular a plateia de seus filmes. Este dinamarquês definiu um gênero próprio que mistura melodrama experimental e surpreendentes inovações narrativas, no sentido de induzir tanto seus atores quanto os espectadores ao sofrimento. O filme começa com uma bomba de nitrogênio dramática - no magnífico prólogo, rodado em preto e branco e em câmera lenta (aliás, um dos mais belos usos já feitos desse recurso), um casal faz sexo de forma idílica e apaixonada, ao som de uma ária de Händel, enquanto seu filho pequeno sai do berço e despenca pela janela (o trecho está no vídeo abaixo, não perca). A partir daí, von Trier vai tecendo a trama, que se resume no sentimento de culpa dos dois e numa interminável sessão terapêutica, e começa a tocar nos nervos de quem assiste, com cenas de tortura e automutilação. O filme deve ser visto sem os radicalismos da razão, pois só assim poderemos entrar numa experiência radical, estranha, incômoda, mas, em última análise, brilhante. É assim que nos sentimos diante de uma ousadia cinematográfica tão incomum - com sentimentos que se abrem diante de nós como abismos escuros, os quais se cai sem saber quando se encontrará o fundo. ANTICRISTO não é um filme para ser entendido, mas sim atravessado e enfrentado. Deslindá-lo, principalmente à luz do do elemento inesperado  que Von Trier introduz no desfecho, ao recapitular aquele belíssimo prólogo, é tarefa para a vida inteira.
 

domingo, 4 de agosto de 2013

2110 - TOY STORY 2

(TOY STORY 2 USA, 1999) - nesta outra obra-prima de John Lasseter, Woody (Tom Hanks) é sequestrado por um colecionador, que deseja vendê-lo para um museu. Assim, o caubói descobre que já foi uma celebridade: nos anos 50, ele era o astro de um seriado popular, com direito a todo merchandising que ora pulula no mundo pós-moderno. Enquanto Woody se deslumbra com seu passado, Buzz e trupe de brinquedos enfrentam perigos terríveis para resgatar o amigo. A aventura rende cenas antológicas, como aquela em que os brinquedos se esfalfam para cruzar uma rua movimentada. Além disso, ainda temos uma participação inusitada da Barbie e hilariantes paródias de PARQUE DOS DINOSSAUROS e GUERRA NAS ESTRELAS. Uma atração a mais, para mim, pelo menos, são as vozes de John Ratzenberger e Kelsey Grammer, de CHEERS, e de Estelle Harris, a mãe de George Constanza, de SEINFELD. E, claro, Jonathan Harris, de PERDIDOS NO ESPAÇO,  fazendo a voz do velhinho que conserta o braço de Woody. No entanto, o que mais me impressionou é a complexidade dos personagens, algo então novo no universo dos filmes de animação. Separado do seu dono, Woody se defronta com questões que preocupam qualquer ser humano, como a transitoriedade da vida e a intricada tela onde se desenrolam as relações afetivas. Buzz, por sua vez, descobre que é um brinquedo produzido em série e tem que lidar, portanto, com o choque de não ser um ente único, individual. Ou seja, não é por acaso que os mesmos argumentos de BLADE RUNNER aparecem aqui, de forma cômica e leve, mas não ligeira. A função de qualquer brinquedo, explica Lasseter, diretor e chefe de criação da PIXAR, é divertir as crianças. Ser esquecido, portanto, equivaleria a morrer. E não é assim que sentimos em relação às pessoas que amamos?

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

2109 - ENCONTROS E DESENCONTROS

(LOST IN TRANSLATION, USA 2003) - o filme aborda alguns dias na vida de dois personagens em Tókio. Bill Murray faz o papel de um amargurado e decadente ator de fitas de ação famosas no passado que vai até o Japão para fazer alguns comerciais de whisky. Scarlett Johansson vive a jovem deprimida Charlotte que está acompanhando seu marido fotógrafo (Giovanni Ribisi, o irmão doido de Phoebe, em Friends). Estes dois seres se encontram no bar do hotel e logo descobrem que ambos sofrem de forte insônia devido ao fuso horário. Sofia não apela para um tipo de sentimentalismo barato, que uniria duas pessoas abandonadas pela vida numa cidade estranha. Na verdade o que surge é uma empatia mútua mas mal conversam entre eles. As situações mostradas são corriqueiras não há nada de excepcional ou radical, e é aí que está o bom gosto da diretora. É difícil colocar em alguma categoria este badalado filme da filha de Francis Ford Coppola, Sofia Coppola. Não chega a ser drama, nem romance e muito menos comédia, é um meio termo de tudo isso o que pode desagradar aqueles que estão acostumados com filmes mais óbvios. A jovem cineasta que estreou com o também cultuado 'As Virgens Suicidas' já demonstra uma mão muito boa para dirigir e um talento inegável. Murray está excelente (é um grandíssimo ator!), e não há como ficar completamente hipnotizado com sua expressão de tédio e introspecção diante dos fatos do mundo à sua volta, ao mesmo tempo que transpira emoção com um mínimo de movimento facial. Scarlett, além de linda, já demonstrava ser a ótima atriz que conhecemos hoje. Ou seja, LOST IN TRANSLATION (título original que diz muito da experiência dos personagens) é mais que um filme de temática transgeracional - mostra, além de outras coisas, que nem sempre as palavras são a única expressão dos sentimentos mais verdadeiros. Excelente, tudo.