(ANTICHRIST, Dinamarca, Alemanha, França, 2009) - Lars von Trier é um diretor de muito talento e se encanta em manipular a plateia de seus filmes. Este dinamarquês definiu um gênero próprio que mistura melodrama experimental e surpreendentes inovações narrativas, no sentido de induzir tanto seus atores quanto os espectadores ao sofrimento. O filme começa com uma bomba de nitrogênio dramática - no magnífico prólogo, rodado em preto e branco e em câmera lenta (aliás, um dos mais belos usos já feitos desse recurso), um casal faz sexo de forma idílica e apaixonada, ao som de uma ária de Händel, enquanto seu filho pequeno sai do berço e despenca pela janela (o trecho está no vídeo abaixo, não perca). A partir daí, von Trier vai tecendo a trama, que se resume no sentimento de culpa dos dois e numa interminável sessão terapêutica, e começa a tocar nos nervos de quem assiste, com cenas de tortura e automutilação. O filme deve ser visto sem os radicalismos da razão, pois só assim poderemos entrar numa experiência radical, estranha, incômoda, mas, em última análise, brilhante. É assim que nos sentimos diante de uma ousadia cinematográfica tão incomum - com sentimentos que se abrem diante de nós como abismos escuros, os quais se cai sem saber quando se encontrará o fundo. ANTICRISTO não é um filme para ser entendido, mas sim atravessado e enfrentado. Deslindá-lo, principalmente à luz do do elemento inesperado que Von Trier introduz no desfecho, ao recapitular aquele belíssimo prólogo, é tarefa para a vida inteira.