quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

4639 - O PASSAGEIRO - PROFISSÃO REPÓRTER (1975)

 


O PASSAGEIRO – PROFISSÃO REPÓRTER (THE PASSENGER, Itália, França, Espanha, 1975) – Um repórter, David Locke (Jack Nicholson), troca de identidade com um desconhecido recém falecido e muito parecido com ele. Essa é a premissa usada por Antonioni para mostrar a decisão e as consequências de Locke, depois de sua decisão de abandonar uma vida frustrada e mergulhar em outra totalmente desconhecida. O filme, característico do diretor italiano, tem poucos planos e sequências longas, como no início do filme, quando Locke vaga pelo cenário desértico, quase sem nenhum diálogo. Aí, vemos como o enredo está totalmente subordinado à imagem, ou seja, a forma não se submete ao roteiro e sim o contrário. Assim, Antonioni rompe com o paradigma narrativo clássico ao mostrar o fato mais importante da história: ao resolver trocar de vida, motivado pela liberdade, Locke encara inexoravelmente as consequências e, sobretudo, os problemas da vida do homem morto. E fez isso por sua própria vontade e consciência e não por uma circunstância e imperativo exógenos, conforme mostra Sartre – somos um nada, um vazio a ser preenchido com nossas experiências. Essa perspectiva existencialista aponta para uma circunstância incontornável – não conseguimos nos livrar do peso de nossas escolhas, pois ao assumir uma nova identidade, Locke não se livrou da sua insatisfação e angústia. A parte final reserva o mais belo plano-sequência do cinema. A reporter, David Locke (Jack Nicholson), switches identities with a recently deceased stranger who looks very similar to him. This is the premise used by Antonioni to show Locke's decision and consequences, after his decision to abandon a frustrated life and dive into a totally unknown one. The film, characteristic of the Italian director, has few shots and long sequences, as at the beginning of the film, when Locke wanders through the desert scenery, with almost no dialogue. There, we see how the plot is totally subordinated to the image, that is, the form is not submitted to the script, but the opposite. Thus, Antonioni breaks with the classical narrative paradigm by showing the most important fact of the story: by deciding to change lives, motivated by freedom, Locke inexorably faces the consequences and, above all, the problems of the dead man's life. And he did this by his own will and conscience and not by an exogenous circumstance and imperative, as Sartre shows – we are a nothingness, a void to be filled with our experiences. This existentialist perspective points to an unavoidable circumstance – we cannot get rid of the weight of our choices, because by assuming a new identity, Locke did not get rid of his dissatisfaction and anguish. YouTube.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

4638 - JO JO RABBIT (2019)

 


JO JO RABBIT (USA, Alemanha, 2019) – O filme de Taika Waititi pode também ser visto como uma metáfora para a perda da inocência, simbolizada por Jo Jo, de dez anos, totalmente imerso na ideologia da juventude hitlerista. Jo Jo tem um amigo imaginário, o próprio Hitler (vivido sem amarras por Taika), com quem reforça sua obsessão pelo partido e o ódio aos judeus, até conhecer Elsa (Thomasin Mckenzie, do também maravilhoso SEM RASTROS, com Ben Foster). Elsa, uma judia, se esconde num espaço dentro da parede da casa de Jo Jo, graças à proteção de sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson, sempre obrigatória), uma opositora convicta do regime nazista. Além da perda da inocência – Jo Jo cresce no curto período dos acontecimentos, tanto emocionalmente quanto fisicamente: na espetacular cena final, percebemo-lo bem mais alto, quase um adulto, o filme pode levar a uma reflexão sobre o conceito de liberdade segundo Sartre. Jo Jo preenche sua existência com a ideologia nazista, até ter a experiência do encontro com Elsa e, a partir daí, ele decide seus próximos atos. Ou seja, Jo Jo, motivado pelo amor/consciência, se afasta da essência forjada pelo nazismo e se sente livre para optar pelo caminho oposto. Evidentemente, isso teve consequências na sua vida: não quer perder o sentimento por Elsa, ao mesmo tempo, se vê completamente só após o término da guerra. Perto do fim do filme, acontece uma das cenas mais lindas – e nietzschianas - diante do cenário devastador do pós guerra: Jo Jo e Elsa, depois de tanto sofrimento e pressionados para encontrar uma saída para a vida diante deles, apenas dançam, sem nada questionar. Taika Waititi's film can also be seen as a metaphor for the loss of innocence, symbolized by ten-year-old Jo Jo, totally immersed in the ideology of the Hitler Youth. Jo Jo has an imaginary friend, Hitler himself (played untethered by Taika), with whom he reinforces his obsession with the party and hatred of Jews, until he meets Elsa (Thomasin Mckenzie, from the also wonderful WITHOUT TRACES, with Ben Foster). Elsa, a Jew, hides in a space within the wall of Jo Jo's house, thanks to the protection of his mother, Rosie (Scarlett Johansson, always obligatory), a staunch opponent of the Nazi regime. In addition to the loss of innocence – Jo Jo grows in the short period of events, both emotionally and physically: in the spectacular final scene, we perceive him much taller, almost an adult, the film can lead to a reflection on the concept of freedom according to Sartre. Jo Jo fills his existence with Nazi ideology, until he has the experience of meeting Elsa and, from there, he decides his next actions. That is, Jo Jo, motivated by love/consciousness, moves away from the essence forged by Nazism and feels free to choose the opposite path. Evidently, this had consequences in his life: he doesn't want to lose his feelings for Elsa, at the same time, he sees himself completely alone after the war ends. Near the end of the film, one of the most beautiful – and Nietzschean – scenes takes place the devastating post-war scenario: Jo Jo and Elsa, after so much suffering and pressured to find a way out of life ahead of them, just dance, without questioning anything.



segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

4637 - CORAÇÃO LOUCO (2009)


 CORAÇÃO LOUCO (CRAZY HEART, USA, 2009) – Bad Blake (Jeff Bridges) é um astro da música country numa fase decadente, tanto física quanto emocionalmente: alcoólatra, sem cuidado com a alimentação, solitário, relação distante com o filho há mais de trinta anos, sobrevive com apresentações em pequenos bares do interior, aproveitando o restante da popularidade entre os fãs. Então, conhece Jane (Maggie Gyllenhaall), divorciada e com Buddy, seu filho pequeno, e descobre uma maneira de reformular seu estilo de vida, por causa da reconexão proporcionada por Jane com sua vida fragmentada e desprovida de sentido. No entanto, Blake, apesar das instruções do seu médico, continua a beber e fumar sem limites, apesar da aparente felicidade com Jane. A ruptura – consciente ou não – se dá quando ele se perde de Buddy num lugar movimentado, e isso leva Jane a se afastar dele de forma irredutível. De certa forma, Jane aplica o princípio defendido por Locke de conotação empirista – todo conhecimento vem da experiência – ao romper com Blake e atribuir essa decisão ao fato de ele se apresentar como uma pessoa inconfiável em função do problema com a bebida, como ficou mostrado no episódio no qual Buddy se perdeu de Blake quando ele parou para beber num bar. A questão essencial é discutir se a atitude de Jane foi baseada no que aconteceu (o risco de ter perdido o filho) e a associação disso ao caráter de Blake ou na experiência prévia de ter se desiludido com os homens de sua vida (como ela mesma confessa). Ou seja, Jane baseou sua decisão no que viu ou no que supôs que poderia acontecer posteriormente, se ficasse com Blake e, assim, expusesse seu filho a outros perigos advindos da possível irresponsabilidade dele quando bebe? Locke defendia que as ideias de uma pessoa são um reflexo daquilo que experimenta e que as certezas morais são indubitáveis porque baseadas no raciocínio. Há aqui a “tábula rasa” de Locke: antes do incidente, Jane, mesmo sabendo dos riscos de se relacionar com Blake, já havia decidido ficar com ele – mas seriam esses riscos apenas conjecturas em função do estereótipo do cantor de música country ou ela tinha conhecimento efetivo deles? Foi o episódio com Buddy o agente provocador da decisão final ou apenas um fator de confirmação das suas suspeitas? E qual o papel de Blake nesta dinâmica relacional? Vê-se sua transformação (conceito de Hegel) ao fim do filme, e ela é atribuída ao encontro dele com Jane e o filho: Blake passou por uma clínica de reabilitação e reencontrou o sucesso profissional, enquanto Jane se casou com outra pessoa, sugerindo que esse relacionamento seria bom para Buddy. Blake se transformou a partir de uma decisão pessoal sua, ou foi levado a ela em função de ter sido abandonado por Jane? Pode-se considerar até que ponto as duas posturas (modificadas por um encontro/desencontro) foram resultado de uma constatação relativamente fiel da realidade, por causa da observação dos fatos, no sentido lockeano dado ao desfecho do filme. No mais, Jeff Bridges recebeu o Oscar de Melhor Ator por sua atuação nesta história muito mais profunda do que parece à primeira vista. Disney Plus. Bad Blake (Jeff Bridges) is a country music star in a decadent phase, both physically and emotionally: alcoholic, not careful with food, lonely, distant relationship with his son for more than thirty years, surviving with performances in small bars in the countryside, enjoying the rest of his popularity among fans. Then, he meets Jane (Maggie Gyllenhaall), divorced and with Buddy, her young son, and discovers a way to reshape his hectic lifestyle, because of the reconnection provided by Jane with his fragmented and meaningless life. However, Blake, despite his doctor's instructions, continues to drink and smoke without limits, despite his apparent happiness with Jane. The rupture – conscious or not – occurs when he gets lost from Buddy in a busy place, and this leads Jane to move away from him in an irreducible way. In a way, Jane applies the principle defended by Locke of empiricist connotation – all knowledge comes from experience – by breaking up with Blake and attributing this decision to the fact that he presented himself as an unreliable person due to his drinking problem, as shown in the episode in which Buddy got lost from Blake when he stopped to drink at a bar. The essential question is to discuss whether Jane's attitude was based on what happened (the risk of having lost her son) and the association of this with Blake's character or on the previous experience of having become disillusioned with the men in her life (as she herself confesses). That is, did Jane base her decision on what she saw or what she assumed could happen later, if she stayed with Blake and thus exposed her son to other dangers arising from his possible irresponsibility as a baby? Locke argued that a person's ideas are a reflection of what he experiences and that moral certainties are indubitable because they are based on reasoning. There is Locke's "tabula rasa" here: before the incident, Jane, even knowing the risks of having a relationship with Blake, had already decided to stay with him – but were these risks just conjectures due to the stereotype of the country music singer or did she have effective knowledge of them? Was the episode with Buddy the agent provocateur of the final decision or just a factor in confirming his suspicions? And what is Blake's role in this relational dynamic? We see his transformation (Hegel's concept) at the end of the film and it is attributed to his meeting with Jane and her son: Blake went through a rehab clinic and found professional success again, while Jane married someone else, suggesting that this relationship would be good for Buddy. Did Blake transform from a personal decision of his, or was he led to it because he was abandoned by Jane? It can be considered to what extent the two postures (modified by an encounter/disagreement) were the result of a relatively faithful observation of reality, because of the observation of the facts, in the Lockean sense given to the film's outcome. In addition, Jeff Bridges received the Oscar for Best Actor in this story that is much deeper than it seems. Disney Plus.



4636 - VIVER DUAS VEZES (2019)


VIVER DUAS VEZES (VIVIR DOS VECES, Espanha 2019) – Já com indícios fortes de Alzheimer, um ex-professor de matemática, Emilio (o grande Oscar Martinez) decide reencontrar seu grande amor, Margarita, antes que suas lembranças dela desapareçam por completo. Emilio, solitário e mal-humorado, conta com a ajuda de sua neta, principalmente, e de sua filha e genro, num road-movie romântico pelas estradas espanholas. Seu mundo interior vai se desfazendo gradativamente, e apenas o desejo, ainda intacto, de rever a pessoa a quem ele ensinara o símbolo do infinito, há mais de cinco décadas, e por quem se apaixonara, o move naquilo que Nietzsche chamou de Vontade de Potência, a tendência irresistível dos organismos de se expandir em detrimento das forças contrárias. Emilio sabe das suas limitações, do risco de perder a memória da única pessoa que amou, mas seu movimento na busca de Margarita envolve sua família e o aproxima dos afetos negligenciados durante seu afastamento, agora agudizado pela doença. Já na estrada, Emilio tem o que Hegel considerava a transformação da historicidade do ser, a partir do seu movimento. Havia um vazio a ser preenchido na sua história, um espaço que se bastava das recordações de sua primeira namorada – isso funcionou até ele ainda dispor de sua memória intacta, mas a partir da percepção da fragmentação e posterior extinção da sua referência existencial, Emilio se coloca numa jornada também dialética, no sentido de ser a viagem sempre um esclarecimento anímico do indivíduo, indo além da transferência de um lugar para outro, um atravessar de espaços cada vez menos aleatórios, até encontrar, por fim o objeto de sua busca. O tempo dessas viagens não é somente o tempo cronológico, mas uma temporalidade constitutiva, uma viagem redefinidora do elemento mantenedor de sua dimensão pessoal. Hegelianamente, não há volta, não pode haver, pois a dinâmica ôntica do homem não lhe permite ser sempre o mesmo. E é contra isso que Emilio, A princípio, luta: ele quer a idêntica sensação de ter conhecido Margarita pela primeira vez e só quando, finalmente, a encontra, também com Alzheimer, e, em silêncio, numa cena linda, na praia, ele tem um momento de consciência fugidia da realidade possível, depois de tanto esforço. Already with strong signs of Alzheimer's, a former math teacher, Emilio (the great Oscar Martinez) decides to meet his great love, Margarita, before his memories of her disappear completely. Emilio, lonely and grumpy, has the help of his granddaughter, mainly, and his daughter and son-in-law, in a romantic road-movie through the Spanish roads. His inner world is gradually unraveling, and only the desire, still intact, to see again the person to whom he had taught the symbol of infinity, more than five decades ago, and with whom he had fallen in love, moves him in what Nietzsche called the Will to Power, the irresistible tendency of organisms to expand to the detriment of contrary forces. Emilio knows his limitations, the risk of losing the memory of the only person he loved, but his move in search of Margarita involves his family and brings him closer to the affections neglected during his estrangement, now aggravated by the disease. Already on the road, Emilio has what Hegel considered the transformation of the historicity of being, based on their movement. There was a void to be filled in his story, a space that was enough from the memories of his first girlfriend – this worked until he still had his memory intact, but from the perception of fragmentation and subsequent extinction of his existential reference, Emilio also sets himself on a dialectical journey, in the sense that the journey is always a soul clarification of the individual, going beyond the transfer from one place to another, a crossing of less and less random spaces, until finally finding the object of his search. The time of these journeys is not only chronological time, but a constitutive temporality, a journey that redefines the element that maintains its personal dimension. Hegelianly, there is no going back, there cannot be, because man’s ontic dynamics do not allow him to always be the same. And this is what Emilio, at first, fights against: he wants the same feeling of having met Margarita for the first time and only when he finally meets her, also with Alzheimer's, and, in silence, in a beautiful scene, on the beach, does he have a moment of fleeting awareness of the possible reality, after so much effort. Netflix.



4635 - O DESCARTE (1973)


 O DESCARTE (Brasil, 1973) – Anselmo Duarte dirige esse thriller nacional com sequências caprichadas e ótimo elenco: Glória Menezes, Fernando Torres, Mauro Mendonça, Ziembinski, Carlos Vereza (numa inacreditável cena em cima de uma moto em movimento). Com enquadramentos incomuns para o cinema brasileiro da época, o filme tem certa coerência dramática e só em algumas cenas derrapa no lugar comum, como em takes de casal correndo perto de um lago. O aspecto curioso é a presença de Ronnie Von, estranhamente dublado por Daniel Filho, mas com uma atuação correta. Anselmo Duarte directs this national thriller with neat sequences and a great cast: Glória Menezes, Fernando Torres, Mauro Mendonça, Ziembinski, Carlos Vereza (in an unbelievable scene on top of a moving motorcycle). With unusual framings for Brazilian cinema at the time, the film has certain dramatic coherence and only in some scenes does it slip into the commonplace, such as in shots of a couple running near a lake. The curious aspect is the presence of Ronnie Von, strangely dubbed by Daniel Filho, but with a correct performance. DVD.


sábado, 11 de janeiro de 2025

4634 - O FANTASMA DA LIBERDADE (1974)

 


O FANTASMA DA LIBERDADE (LE FANTÔME DE LA LIBERTÉ, França, 1974) – Obra-prima do surrealismo, dirigido por Luis Buñuel, mostrando sua visão da burguesia como uma classe decadente, cujo poder e riqueza são facilmente destituídos por eles mesmos através da sua indulgência na sua etiqueta patética e senso de moralidade apodrecido. É uma crítica acérbica à hipocrisia de uma classe média com valores também falsos sobre a liberdade que ela acha que tem. As cenas mostram comportamentos totalmente invertidos em relação ao considerado normal, de uma forma irresistivelmente natural – como a cena na qual uma família burguesa senta-se em privadas na sala de jantar, indicando a inversão das funções de comer e defecar: comer é escondido por ser vergonhoso, enquanto se defeca publicamente sem nenhuma inibição. Assim, Buñuel expõe seu pessimismo a respeito da natureza humana através do relativismo dos valores, apresentando práticas sociais absolutamente absurdas. Masterpiece of surrealism, directed by Luis Buñuel, showing his vision of the bourgeoisie as a decadent class, whose power and wealth are easily destituted by themselves through their indulgence in their pathetic etiquette and rotten sense of morality. It is a fierce criticism of the hypocrisy of a middle class with also false values about their supposed freedom. The scenes show behaviors totally inverted in relation to what is considered normal, in an irresistibly natural way – such as the scene in which a bourgeois family sits on toilets in the dining room, indicating the inversion of the functions of eating and defecating: eating is hidden because it is shameful, while one defecates publicly without any inhibition. Thus, Buñuel exposes his pessimism about human nature through the relativism of values, presenting absolutely absurd social practices.



quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

4633 - ENQUANTO SOMOS JOVENS (2014)

 


ENQUANTO SOMOS JOVENS (WHILE WE’RE YOUNG, USA, 2014) – Um casal de meia-idade (Ben Stiller e Naomi Watts), em crise afetiva e profissional, conhece outro bem mais novo (Adam Driver e Amanda Seyfried), dois dínamos de energia e cheios de planos, e, como era de se esperar, Stiller e Watts começam a ficar fascinados com aquilo que parece uma chance de revigorar suas vidas. O filme de Noah Baumbach começa bem, com boas reflexões sobre o envelhecimento e a diminuição de perspectivas existenciais, no cotejo com as pessoas mais jovens, supostamente capazes de uma espécie de transfusão de entusiasmo apenas pelo simples convívio. No entanto, o roteiro se perde no terço final, não dando continuidade às proposições iniciais. Stiller consegue fazer uma boa transição entre a comédia e os conflitos de seu personagem, mas o desfecho da história não lhe dá a chance de completar o arco dramático do seu relacionamento com Watts. A middle-aged couple (Ben Stiller and Naomi Watts), in an emotional and professional crisis, meets another much younger couple (Adam Driver and Amanda Seyfried), two dynamos of energy and full of plans, and, as expected, Stiller and Watts begin to be fascinated with what seems like a chance to reinvigorate their lives. Noah Baumbach's film starts well, with good reflections on aging and the reduction of existential perspectives, in comparison with younger people, supposedly capable of a kind of transfusion of enthusiasm just by simple conviviality. However, the script is lost in the final third, not giving continuity to the initial propositions. Stiller manages to make a good transition between comedy and his character's conflicts, but the outcome of the story does not give him the chance to complete the dramatic arc of his relationship with Watts. Prime.



4632 - O PORTEIRO DA NOITE (1974)

 


O PORTEIRO DA NOITE (THE NIGHT PORTER, Itália, França, 1974) – Após a WW2, Max (Dirk Bogarde), um ex-oficial nazista, trabalhando como porteiro noturno de um hotel em Viena, se depara com Lucia (Charlotte Rampling), uma das hóspedes, e logo ficamos sabendo da natureza do seu relacionamento no campo de concentração onde ela foi brutalmente assediada por ele. O filme da diretora Liliana Cavani é um estudo sobre o sadomasoquismo e lida com vários gatilhos emocionais e necessidades sexualizadas, numa quase alegoria da Síndrome de Estocolmo, na qual Max e Lucia exploram seus limites através de jogos sexuais de dor e dominação. As camadas psicoanalíticas do roteiro são múltiplas, a principal delas talvez seja o vício de Lucia nas atrocidades sofridas durante a guerra, sua submissão a Max, ao mesmo tempo que o domina, a busca de significado na aflição física e emocional proporcionada num relação doentia e fadada à aniquilação. Bogarde está no auge de sua forma dramática, capaz de traduzir toda a sua culpa e esperança com sutis esgares e maneira de olhar, e Charlotte, num papel dificílimo, consegue dissolver o sofrimento através de uma languidez e de um estar no mundo quase diáfano. After WW2, Max (Dirk Bogarde), a former Nazi officer, working as a night porter at a hotel in Vienna, comes across Lucia (Charlotte Rampling), one of the guests, and we soon learn of the nature of their relationship back to the concentration camp where she was brutally harassed by him. Director Liliana Cavani's film is a study of sadomasochism and deals with various emotional triggers and sexualized needs, in an almost allegory of Stockholm Syndrome, in which Max and Lucia explore their limits through sexual games of pain and domination. The psychoanalytic layers of the script are multiple, the main one perhaps being Lucia's addiction to the atrocities suffered during the war, her submission to Max, while dominating him, the search for meaning in the physical and emotional affliction provided in an unhealthy relationship doomed to annihilation. Bogarde is at the prime of his dramatic form, able to translate all his guilt and hope with subtle sneers and way of looking, and Charlotte, in a very difficult role, manages to dissolve suffering through languor and simply existing in an almost diaphanous manner. DVD.



4631 - 8 1/2 (continuação, 1963)


 8 ½ (Itália, 1963) – Quando Fellini faz de Marcello Mastroiani seu alter-ego no papel de Guido Anselmi, ele tem o cuidado de tirar o personagem do centro do roteiro, num movimento narrativo envolvendo as consequências de suas posturas pessoais e escolhas artísticas e nos convidando a construir uma outra história, uma quase biografia de cada espectador, em função dos arquétipos afetivos (Espinoza) apresentados pelas memórias de infância e fantasias do seu espírito confrangido pela pressão de realizar uma obra-prima. Isso nos leva à impressão da incompletude do filme assistido/construído por nós, diante de um mundo diegético ainda incompleto. Há também um convite permanente para o quem assiste: a capacidade de se ver em vários mundos e dimensões temporais diferentes e relacioná-las, após descobrir o fio condutor que os enfeixe num continuum ancho de sentidos. Assim, Fellini faz uma reflexão sobre o fazer artístico, com toda a sua carga de subjetividade, especialmente quando está submetido à indústria cultural, como aponta a Escola de Frankfurt. A crise pessoal e criativa do diretor é uma alegoria, para dizer o mínimo, da angústia de todos nós diante da obra existencial sempiterna, em permanente andamento, da nossa própria vida. When Fellini makes Marcello Mastroiani his alter-ego in the role of Guido Anselmi, he is careful to take the character out of the center of the script, in a narrative movement involving the consequences of his personal postures and artistic choices and inviting us to build another story, an almost biography of each spectator, according to the affective archetypes (Espinoza) presented by childhood memories and fantasies of his spirit constrained by the pressure of making a masterpiece. This leads us to the impression of the incompleteness of the film watched/constructed by us, in the face of a diegetic world that is still incomplete. There is also a permanent invitation for the viewer: the ability to see oneself in several different worlds and temporal dimensions and relate to them, after discovering the common thread that brings them together in a continuum of meanings. Thus, Fellini reflects on artistic making, with all its subjectivity, especially when it is submitted to the cultural industry, as the Frankfurt School points out. The director's personal and creative crisis is an allegory, to say the least, of the anguish of all of us in the face of the everlasting existential work, in permanent progress, of our own life. DVD.



terça-feira, 7 de janeiro de 2025

4630 - MEU VIZINHO ADOLF (2022)

 


MEU VIZINHO ADOLF (MY NEIGHBOR ADOLF, Israel, Polônia, Colômbia, 2022) – Nos anos 60, na América do Sul, o senhor Polski (David Hayman, soberbo), um sobrevivente do Holocausto desconfia que seu novo vizinho (Udo Kier, igualmente perfeito) é Hitler disfarçado. Lembrando um pouco da premissa de JANELA INDISCRETA, da sua casa, Polski começa a observar o suposto Führer, tentando juntar todas as evidências possíveis para corroborar sua suspeita. O filme é de uma extrema delicadeza no seu reconhecimento da possibilidade da transformação do afeto, no sentido dado por Espinoza. Além disso, também remete à “mediação do imediato”, onde o caráter mediado e artificial está na questão da possibilidade, não em algo que acontece, mas algo que poderia acontecer. Esse aparente paradoxo do filme se assemelha ao conceito-base de BLOW UP, de Antonioni, pois também se utiliza da informações obtidas por uma câmera e decodificadas pela ótica de quem as vê, com toda a carga afetiva realizada na hermenêutica do processo. In the 60s, in South America, Mr. Polski (David Hayman, superb), a Holocaust survivor suspects that his new neighbor (Udo Kier, equally perfect) is Hitler in disguise. Remembering a little of the premise of REAR WINDOW, from his house, Polski begins to observe the supposed Führer, trying to gather all possible evidence to corroborate his suspicion. The film is extremely delicate in its recognition of the possibility of transforming affection, in the sense given by Spinoza. In addition, it also refers to the "mediation of the immediate", where the mediated and artificial character is in the question of possibility, not in something that happens, but something that could happen. This apparent paradox of the film resembles the basic concept of Antonioni's BLOW UP, as it also uses the information obtained by a camera and decoded from the viewer’s perspective, with all the affective emotional baggage carried out in the hermeneutics of the process. Prime.



segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

4629 - O QUE A VITÓRIA DE FERNANDA TORRES ENSINA AO CINEMA BRASILEIRO (2025)

 


O QUE A VITÓRIA DE FERNANDA TORRES ENSINA AO CINEMA BRASILEIRO Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro como Melhor Atriz de Drama por AINDA ESTOU AQUI. Essa notícia deveria bastar para o cinema nacional refletir sobre sua trajetória ao longo de tantos anos de alguns altos e muitos baixos. Fernanda Torres e toda sua linhagem dramática de Fernanda e Fernando souberam formar um público capaz de preferir o Bourbon ao Sangue de Boi, um público ansioso por obras de arte sinalizadoras de caminhos mais favoráveis no meio do aranhol digital causador de tantas mazelas como, por exemplo, a ascensão da extrema-direita fascista, cujo dínamo anímico roda em função do ódio a tudo, principalmente à cultura e ao belo. Apontar a arte e a cultura – conceitos sinônimos, por sinal – como forma de resistência à truculência intelectual, à indigência cognitiva e à tendência niilista de louvar o precipício é, de certa forma, repetir uma certeza consabida. Que se repita, então, milhares, milhões de vezes, se necessário, principalmente pela via polissêmica do cinema, aqui no Brasil, com menos filmes partícipes da difusão agnotológica aceita tão acriticamente por um público fanatizado pela pior política e a mais retrógrada religião, e mais filmes como AINDA ESTOU AQUI, graças ao qual Fernanda Torres obteve um reconhecimento merecido e emocionante, nos fazendo sentir pessoas melhores e mais felizes, coisa só possível quando a arte nos atinge, inexoravelmente, como um raio de vida. Fernanda Torres won the Golden Globe for Best Drama Actress for I'M STILL HERE. This news should be enough for the Brazilian cinema to reflect on its trajectory over so many years of some ups and many downs. Fernanda Torres and all her dramatic lineage of Fernanda and Fernando knew how to form an audience capable of preferring Bourbon to cheap wine, an audience eager for works of art that signal more favorable paths in the middle of the digital hub that causes so many ills such as, for example, the rise of the fascist far right, whose soul dynamo rotates due to the hatred of everything, especially to culture and beauty. To point to art and culture – synonymous concepts, by the way – as a form of resistance to intellectual truculence, cognitive indigence and the nihilistic tendency to praise the precipice is, in a way, to repeat a well-known certainty. Let it be repeated, then, thousands, millions of times, if necessary, mainly through the polysemic way of cinema, here in Brazil, with fewer films participating in the agnotological diffusion accepted so uncritically by a public fanaticized by the worst politics and the most retrograde religion, and more films like AINDA ESTOU AQUI, thanks to which Fernanda Torres obtained a deserved and exciting recognition, making us feel better and happier people, something only possible when art hits us, inexorably, like a ray of life.



4628 - JESUS CRISTO, EU ESTOU AQUI (1970)


JESUS CRISTO, EU ESTOU AQUI (Brasil, 1970) – Este é um dos filmes mais insólitos do cinema nacional: é inexplicável a música de Roberto Carlos, sucesso do LP daquele ano, como tema principal, até porque mão tem nada a ver com a história; a ação se passa em Magé e Friburgo, como se fossem a mesma cidade, independentemente das diferenças geográficas – aliás, só há uma sequência em Friburgo, na qual Costinha, como um padre, atravessa a praça Demerval Moreira e vai até o Centro de Turismo e tem um diálogo surreal com o funcionário. Além disso, o roteiro mal construído mostra uma disputa entre dois coronéis (Zé Trindade e Colé), dentro de uma ambientação típica do Nordeste. Vale a pena pelo registro histórico. This is one of the most unusual films in the Brazilian cinema: the music by Roberto Carlos, a hit on that year's LP, as the main theme is inexplicable, because it has nothing to do with the story; the action takes place in Magé and Friburgo, as if they were the same city, regardless of geographical differences – in fact, there is only one sequence in Friburgo, in which Costinha, as a priest, crosses the Demerval Moreira square and goes to the Tourism Center and has a surreal dialogue with the employee. In addition, the poorly constructed script shows a dispute between two colonels (Zé Trindade and Colé), within a typical northeastern setting. It is worth it for the historical record. DVD.


4627 - O DONO DA BOLA (1961)

 


O DONO DA BOLA (Brasil, 1961) – Neste filme, dirigido por JB Tanko, Ronald Golias interpreta um personagem bem conhecido das comédias nacionais: o ingênuo bem intencionado, meio marginalizado pela própria inabilidade social, invariavelmente metido em situações marcadas pela comédia pastelão e apaixonado pela mocinha, numa disputa com um outro homem, sempre um galã, ou quase isso. Bem, aqui ele gosta de Eva (Norma Blum, lindíssima) e entra numa triangulação com o conquistador, Fernando (Perry Salles, escolha totalmente equivocado para o papel), durante um programa de TV. É curioso notar a relevância da televisão naquele momento histórico: era a Hollywood local, objetivo de todos os artistas, mesmo nas condições precárias de funcionamento, como mostrado em várias outras produções durante a década de 60. A cópia, no YouTube, está excelente. In this film, directed by JB Tanko, Ronald Golias plays a well-known character in the Brazilian comedies: the well-intentioned naïve, somewhat marginalized by his own social inability, always involved in situations marked by slapstick comedy and in love with the girl, in a dispute with another man, always a heartthrob, or almost so. Well, here he likes Eva (Norma Blum, extremely beautiful) and gets into a triangulation with the conqueror, Fernando (Perry Salles, totally wrong choice for the role), during a TV show. It is curious to note the relevance of television at that historical moment: it was the local Hollywood, the goal of all artists, even in the precarious conditions of operation, as shown in several other productions during the 60s. The copy, on YouTube, is excellent.



4626 - O PROTETOR 3 (2023)

 


O PROTETOR 3 (THE EQUALIZER 3, USA, 2023) – Denzel Washington é obrigatório. No terceiro filme da franquia, Robert McCall está na Itália e ajuda uma pequena localidade a se livrar de um grupo de criminosos meio caricatos. Esta segunda visita ao filme confirma a tibieza do roteiro, apesar do sempre magnífico Denzel e da presença de Dakota Fanning como uma agente do FBI, depois de atuarem juntos no ótimo CHAMAS DA VINGANÇA, de 2004. A bela cidade costeira de Atrani, encrustada harmoniosamente na encosta (também locação do memorável RIPLEY, e com Dakota no elenco) é uma atração irresistível para quem sonha em estar ali, pelo menos uma vez na vida, tomando vinho diante do pôr do sol – e isso já seria uma bela cena da nossa vida – e digo isso lembrando de planos oníricos deixados na longa estrada que transforma tudo em quase nada. Dakota Fanning adota, neste filme, a mesma atuação contida (e encantadora) oferecida em RIPLEY: é um estar, sem estar realmente ali, mas, ao mesmo tempo, apenas movida pelo silêncio, mostrar um entendimento profundo do mundo ao redor, discreta, como se apenas entendesse o inexplicável com o olhar, substantivo e verbo, algo que só Scarlett Johansson faz. Denzel Washington is mandatory. In the third film of the franchise, Robert McCall is in Italy and helps a small town to get rid of a group of criminals who are a bit caricatured. This second visit to the film confirms the lukewarmness of the script, despite the always magnificent Denzel and the presence of Dakota Fanning as an FBI agent, after acting together in the great MAN ON FIRE, from 2004. The beautiful coastal town of Atrani, harmoniously embedded in the hillside (also the location of the memorable RIPLEY, and with Dakota in the cast) is an irresistible attraction for those who dream of being there, at least once in their lives, drinking wine during the sunset – and that would already be a beautiful scene of our lives – and I say this remembering dreamlike shots left on the long road that turns everything into almost nothing. Dakota Fanning adopts, in this film, the same restrained (and charming) performance offered in RIPLEY: it is to be present, without really being there, but, at the same time, only moved by silence, showing a deep understanding of the world around her, discreet, as if she only understood the inexplicable with her gaze, noun and verb, something that only Scarlett Johansson does. Prime.



sábado, 4 de janeiro de 2025

4625 - 8 1/2 (1963)

 


8 ½ (Itália, 1963) – Essa obra-prima de Fellini é uma experiência a ser revisitada de tempos em tempos, em função dos múltiplos níveis de interpretação oferecidos pelo roteiro autobiográfico do marido de Giulietta Masina. Marcello Mastroianni é Guido, um diretor com bloqueio criativo e uma série de traumas existências cuja origem está no caldo de cultura latina da Itália do pós-guerra, envolvendo a influência da igreja católica, o fantasma do pecado, conflitos com a relação materna, a reconstrução do país no sentido cultural, depois da onda neorrealista de Rosselini. Uma coisa é certa: não é um filme para se ver apenas uma vez – 8 ½ é como se fosse uma dízima periódica narrativa, capaz de estabelecer identificações com todo tipo de público. Basta ter paciência, como a história tão bem coloca. E, além do mais, Fellini conseguiu a perfeita tradução da beleza feminina, um dos anseios de Guido: Claudia Cardinale. This masterpiece by Fellini is an experience to be revisited from time to time, due to the multiple levels of interpretation offered by the autobiographical script of Giulietta Masina's husband. Marcello Mastroianni is Guido, a director with creative block and a series of existing traumas whose origin is in the Latin culture of post-war Italy, involving the influence of the Catholic Church, the ghost of sin, conflicts with the maternal relationship, the reconstruction of the country in the cultural sense, after Rosselini’s neorealist wave. One thing is for sure: it is not a film to be seen only once – 8 1/2 is as if it were a periodic narrative tithe, capable of establishing identifications with all types of audiences. Just be patient, as history puts it so well. And, moreover, Fellini achieved the perfect translation of feminine beauty, one of Guido's desires: Claudia Cardinale. DVD.



4624 - TEMPOS MODERNOS (1936)


TEMPOS MODERNOS (MODERN TIMES, USA, 1936) – O funcionário de uma fábrica começa a enlouquecer diante da automação de suas tarefas e passa a desafiá-las numa sequência memorável, na qual brinca com as peças fabricadas, enfrenta o patrão e os companheiros de trabalho, entra nas engrenagens da enormes máquinas que, literalmente, o engolem – assim começa essa clássico de Chaplin, um libelo contra a despersonalização imposta pelas grandes indústrias aos responsáveis por elas, os operários anônimos, e por vezes esquecidos, sem os quais nada funciona. Ou não deveria funcionar. Num filme premonitório do quase descarte total do elemento humano na linha de produção das grandes indústrias, Chaplin mostra um a revolta contra um sistema opressor, numa sociedade incapaz de, minimamente, alimentar sua população. E é exatamente o elemento comida o fio condutor da história: quase todas as sequências contêm referências à alimentação – ou a falta dela -, principalmente por causa da personagem de Paulette Goddard, uma espécie de Robin Hood de saias, simbolizando a resistência das pessoas sem trabalho e sem tem o que comer. A partir deste filme, a imagem pública de Chaplin ficou diretamente ligada à política, deixando-o sob o olhar atento da paranoia anticomunista americana. Revisitar o filme é um prazeroso exercício de compreensão de uma época marcada por grandes contrastes sociais nos EUA e mais uma constatação do gênio de Chaplin, capaz de, logo no início do filme, mostrar a voracidade também da indústria cinematográfica, ao emular na cena em que é engolido pelas engrenagens da fábrica, um corte transversal de uma câmera de filmagem. Gênio é pouco para ele. The employee of a factory begins to go crazy in the face of the automation of his tasks and starts to challenge them in a memorable sequence, in which he plays with the manufactured parts, faces the boss and his co-workers, enters the gears of the huge machines that literally swallow him – this is how this classic by Chaplin begins, a libel against the depersonalization imposed by large industries on those responsible for them, the anonymous, and sometimes forgotten, workers without whom nothing works. Or it shouldn't work. In a film that foresees the almost total discarding of the human element in the production line of large industries, Chaplin shows a revolt against an oppressive system, in a society incapable of minimally feeding its population. And it is exactly the food element that is the common thread of the story: almost all the sequences contain references to food – or the lack of it – mainly because of Paulette Goddard's character, a kind of Robin Hood in skirts, symbolizing the resistance of people without work and without anything to eat. From this film on, Chaplin's public image was directly linked to politics, leaving him under the watchful eye of American anti-communist paranoia. Revisiting the film is a rewarding exercise in understanding a time marked by great social contrasts in the USA and another observation of Chaplin's genius, capable, right at the beginning of the film, of showing the voracity of the film industry as well, by emulating in the scene in which he is swallowed by the gears of the factory, a cross-section of a film camera. Genius is not enough for him.



4623 - O PROTETOR 2 (2018)


O PROTETOR 2 (THE EQUALIZER 2, USA, 2018) – Robert McCall (Denzel Washington, obrigatório, sempre) ganha a vida dirigindo um carro de aplicativo em Boston e, eventualmente, se dedica a ajudar pessoas em perigo, como no primeiro O PROTETOR, de 2014, também dirigido por Antoine Fuqua. Denzel é um desses atores maiúsculos, capazes de tornar a história de seus filmes um simples acessório para seu talento. Assim, OP 2 projeta o imenso carisma de seu protagonista para muito além de um roteiro inicialmente interessante, mas inconsistente no seu terço final. O ponto alto é a cena na qual ele dá uma lição de moral ao jovem traficante morador do modesto prédio onde ambos vivem. Pedro Pascal tem uma atuação tépida e seu personagem não mostra a ambiguidade esperada até o twist final. Mas nada disso importa: temos em cena Denzel Washington, e isso é um privilégio para seus coevos. Robert McCall (Denzel Washington, obligatory, always) makes a living driving an app car in Boston and eventually dedicates himself to helping people in danger, as in the first PROTECTOR, from 2014, also directed by Antoine Fuqua. Denzel is one of those capital actors, capable of making the story of his films a simple accessory to his talent. Thus, TE 2 projects the immense charisma of its protagonist far beyond an initially interesting script, but inconsistent in its final third. The highlight is the scene in which he gives a moral lesson to the young drug dealer who lives in the modest building where they both live. Pedro Pascal has a tepid performance and his character does not show the expected ambiguity until the final twist. But none of that matters: we have Denzel Washington on stage, and that's a privilege for his coevals. Prime.





sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

4622 - SUPER-HOMEM: A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE (2024)

 


SUPERMAN – THE CHRISTOPHER REEVE STORY (USA, 2024) – Emocionante documentário sobre a vida de Christopher Reeve e seu mais famoso papel no cinema. A segunda parte é dedicada ao acidente que o deixou tetraplégico e ao amor de sua esposa, Dana, durante todo o período de intenso sofrimento, para ela e para a família. A história de Reeve sempre vai fazer o paralelo com a imagem do Super-Homem, e esta conexão foi tão intensa na época do lançamento do primeiro filme, que a tragédia da queda do cavalo, numa prova de equitação, pareceu uma ficção aos olhos dos seus admiradores. Imagens marcantes de Reeve em casa, com seu amigo Robin Willians e depoimentos sensíveis de seus filhos. Touching documentary about Christopher Reeve’s life and his most famous film role. The second part is dedicated to the accident that left him quadriplegic and the love of his wife, Dana, throughout the period of intense suffering, for her and their family. Reeve's story will always parallel the image of Superman, and this connection was so intense at the time of the release of the first film, that the tragedy of the fall from the horse, in a riding event, seemed like a fiction in the eyes of his admirers. Striking images of Reeve at home, with his friend Robin Williams and sensitive testimonies from his children. Prime.



4621 - UM AMOR INESPERADO (2018)

 


UM AMOR INESPERADO (EL AMOR MENOS PENSADO, Argentina, 2018) O cinema argentino é bom até quando erra. O filme de Juan Vera trata de uma separação: Marcos (Ricardo Darín) e Ana (Mercedes Morán) estão em crise, principalmente depois da viagem do único filho para estudar na Europa. O roteiro (sim, previsível) leva o casal a vários relacionamentos superficiais, durante os quais os dois protagonistas se questionam sobre a natureza de seus sentimentos e a conexão inevitável de suas aspirações. Não é o melhor filme argentino, até porque conta com o grande Darín, mas é muito, mas muito, melhor do que qualquer filme brasileiro. Argentinean cinema is good even when it makes mistakes. Juan Vera's film deals with a separation: Marcos (Ricardo Darín) and Ana (Mercedes Morán) are in a wedding crisis, especially after their only son's trip to study in Europe. The script (yes, predictable) leads the couple into several superficial relationships, during which the two protagonists question each other about the nature of their feelings and the inevitable connection of their aspirations. It's not the best Argentine film, despite the great Darín’s presence, but it's much, much, better than any Brazilian film. Disney Plus.



4620 - JURADO #2 (2024)


JURADO # 2 (JUROR #2, USA, 2024) – Clint Eastwood é obrigatório. No seu quadragésimo filme como diretor, ele propõe questões essenciais – e incômodas – constituintes de dilemas morais e do âmago de um roteiro enxuto, mas não menos profundo: verdade e justiça são conceitos indissociáveis ou instâncias que eventualmente se encontram? Justin Kemp (Nicholas Hoult, excelente) é escolhido para o júri de um caso de homicídio e descobre uma possível participação sua no evento. A partir daí, Clint no leva a exercitar o que ainda há de empatia em nós, a simples capacidade de se colocar no lugar do outro, baseado num tipo peculiar de universalidade inserta num mundo que parece ocorrer mediante um juízo existencial de não vacuidade e sem a pretensão de uma universalidade abrangente, pois, afinal de contas, por mais que façamos, nunca poderemos nos livrar do peso de nossas escolhas. Uma obra-prima. Clint Eastwood is a must. In his fortieth film as a director, he poses essential – and uncomfortable – questions that constitute moral dilemmas and the core of a lean but no less profound script: are truth and justice inseparable concepts or instances that eventually meet? Justin Kemp (Nicholas Hoult, excellent) is chosen to be on the jury in a murder case and discovers his possible participation in the event. From there, Clint leads us to exercise what is still empathetic in us, the simple ability to put oneself in the place of the other, based on a peculiar type of universality inserted in a world that seems to occur through an existential judgment of non-emptiness and without the pretension of an all-encompassing universality, because, after all, no matter how hard we try, we can never free ourselves from the weight of our choices. A masterpiece. Max.



terça-feira, 31 de dezembro de 2024

4619 - CHARLIE CHAN NO EGITO (1935)

 

Warner Oland e Rita Hayworth

CHARLIE CHAN NO EGITO (CHARLIE CHAN IN EGYPT, USA, 1935) – Charlie Chan (Warner Oland) vai ao Egito investigar o assassinato de um arqueólogo encontrado dentro de um sarcófago. O personagem Charlie Chan foi vagamente baseado em uma pessoa real, Chang Apuna, um famoso e condecorado detetive chinês que viveu em Honolulu e serviu bem ao público por muitos anos. O personagem foi concebido como uma reação contra caricaturas racistas anti-asiáticas como o Dr. Fu Manchu; e foi muito popular por muitos anos; rivalizando com o sucesso de Sherlock Holmes e Hercules Poirot. Neste filme, uma curiosidade preciosa: Rita Hayworth, antes da fama, no papel de uma empregada. Charlie Chan (Warner Oland) goes to Egypt to investigate the murder of an archaeologist found inside a sarcophagus. The Charlie Chan character was loosely based on a real person, Chang Apuna, a famous and decorated Chinese detective who lived in Honolulu and served the public well for many years. The character was conceived as a reaction against racist anti-Asian caricatures like Dr. Fu Manchu; and was very popular for many years; rivaling the success of Sherlock Holmes and Hercules Poirot. A precious curiosity: Rita Hayworth, before being famous, on the role of a maid. Youtube.