(LA GRANDE BELLEZZA, Itália 2013) - Na obra de Paolo Sorrentino, Oscar de melhor filme estrangeiro, é possível identificar milionários excêntricos de A Doce Vida, de Federico Fellini, como reencontrar uma certa personificação de Roma, berço da antiguidade cujas ruínas resistem em meio à modernidade líquida, tão bem descrita pelo meu querido Bauman, conectada, acelerada e globalizada. Jap Gambardella, o escritor consagrado e boêmio interpretado por Toni Servillo, se depara com a nulidade de sua rotina aos 65 anos. Àquela altura da vida, não tem grandes pretensões a não ser driblar o tédio com noitadas regadas a bebida, música eletrônica, relacionamentos fugazes e conversas sobre a chateação de se viver em um período de decadência estética. Jap e a capital italiana, cenário do filme, têm muito em comum. Enquanto todas (ou quase todas) as grandes cidades da humanidade tiveram de se adaptar em algum momento ao mundo moderno, Roma se deu ao luxo de seguir um caminho inverso: foi a modernidade que se adaptou a ela. O que Bauman diria disso? Jap, a exemplo da cidade, é adorado pelo que produziu no passado. E está, como a cidade, cercado por uma perspectiva de futuro extramuros. Aos 65 anos, o personagem não se vê obrigado a aderir a mais nada. O descompromisso dá a ele o direito inclusive de abandonar uma conversa com uma mulher com quem passaria a noite. Seminua, sobre a cama, ela pergunta se ele quer ver algumas fotos dela (nua, claro) postadas no Facebook (irk!); quando ela volta com o laptop em mãos, ele já não está lá. "Aos 65 anos", explica diante da câmera, "tenho o direito de não fazer nada que não queira". A desobrigação com o novo e sua linguagem, eletrônica, posada, plastificada, é latente. Neste mundo de exposições gratuitas, que se espalham em rede mas não encantam, como encontrar a grande beleza, a matéria-prima da criação artística? “Como posso escrever sobre isso?”, pergunta-se o escritor ao ver os amigos dançarem até cair em uma das muitas festas em sua casa. “Isso é o nada. E como eu posso escrever sobre o nada se nem Flaubert conseguiu?”. Sem perceber, é justamente esta inquietação que faz do personagem um artista autêntico. Para o artista, viver e escrever (ou pintar ou dançar) não são atividades dissociadas: o drama de não escrever nem alcançar o que se quer é o drama que o move e o aprisiona. Pois a angústia de não produzir à altura do que se sonha é uma obra de arte em si – inacabada, mas eterna. Como este filme tão belo quando seu título.