quarta-feira, 12 de novembro de 2014

2440 - O SHOW DE TRUMAN

(THE TRUMAN SHOW, USA 1998) - Tudo neste filme excepcional nos leva a refletir sobre a natureza da verdade. Pode-se começar com o nome do personagem principal, vivido por Jim Carrey, Truman. Percebem? Truman, ou "true man"? Ele é um vendedor de seguros. Vender seguros? Nada mais diametralmente oposto ao argumento do filme, no qual Truman vive numa imenso cenário, cercado de atores comandados por um diretor responsável pela transmissão do show do título. Toda esta premissa nos remete ao ceticismo gnóstico de Jean Baudrillard. A secreta gnose do seu pensamento: a busca pela “pura aparência”. Se a realidade é uma ilusão e todos os discursos das ciências e das mídias são mobilizados para simular um efeito de realidade que crie uma aparência de sentido às instituições políticas, econômicas e sociais, então a nossa “última chance” é a “pura aparência”: combater a aparência que simula sentido com outra aparência, tão ilusória quanto a “realidade” que nos cerca. O filme “Show de Truman” talvez seja aquele que mais didaticamente apresenta esta estratégia fatal que explodiria os efeitos de realidade dos discursos dominantes. A liberdade criticada pelo filme não está somente no fato de o personagem principal estar enclausurado em um reality show. Também há uma crítica com relação à liberdade amorosa, à liberdade de ir e vir, dentre outras; inclusive há também uma crítica à religião como um todo, como se fosse algo que restringisse a liberdade do ser humano. Com muita inteligência, o diretor Peter Weir coloca Seahaven – uma “ilha” na qual Truman vive – o cenário do maior reality show que o mundo já viu. Nota-se que o nome da ilha significa “Paraíso do mar”. Nesse “ paraíso ersatz”, uma só pessoa é a estrela, o personagem principal (e o único que não sabe que é personagem, pois vive sua vida de forma real). O resto todo são atores, participantes do programa. Lá, tudo é mentira. Os amigos de Truman, a esposa, o emprego, a cidade. “Não há nada de falso no próprio Truman”. Essa frase é de Christof, o criador do programa, o criador de tudo. Obviamente, não pode haver nada de falso em Truman. Por quê? Porque ele, como já dito, é o único que vive uma vida real, em que não é personagem. Além disso, seu nome: Truman: em inglês = True + man, que, ao traduzir para o português: verdade + homem, ou seja, Trumam = o homem verdade, o homem verdadeiro, o verdadeiro homem. Interessante notar que toda a desconfiança por parte de Truman se dá no início do filme, com a queda de uma luminária, que seria parte do cenário do programa, correspondente à estrela Sirius. Vejam, uma “luz” traz iluminação para Truman, e, assim, traz também o início do “conhecimento”, da verdade. a crítica à religião, ou melhor, à Deus. O nome do criador do programa é Christof, que, em inglês, pode ser decomposto em: Christ + of. Traduzindo para o português = Cristo + de, ou seja, de Cristo, de Deus. Programa de Deus ou programação de Deus. Nesse viés, o mundo de Deus é um mundo de mentiras e, somente se livrando dele, como Truman faz no final do filme, é que se consegue atingir a liberdade, a verdade, enfim, é que se consegue ser um homem de verdade. Uma vida verdadeira, uma vida mais livre envolve muitas dificuldades, muitos sofrimentos. Perceber a ilusão é o primeiro passo. Depois, aos poucos, vem os outros, igualmente difíceis. Assim, Truman se livra de sua vida de mentiras. E todos comemoram: o povo do bar, as senhoras do sofá de casa, o homem na banheira e os dois vigias. Por fim, o programa acaba. É o fim da transmissão. Com isso, um dos seguranças diz: “Não tem mais nada para ver”. E vão mudar de canal. Ou seja, não foi somente Truman que se livrou de sua prisão. Todos os telespectadores também se libertaram de quase trinta anos de programa.
Percebe-se, assim, que existe um mundo mais verdadeiro, um mundo mais livre. Mas é preciso ter luz, é preciso conhecer, é preciso, enfim, ter olhos de ver e ouvidos de ouvir. Claro que também se pode abordar o MITO DA CAVERNA, de Platão, através das alegorias do enredo: só "rompendo" as ilusões sombrias da caverna onde vive, que o homem pode chegar ao conhecimento da realidade. Também podemos entender que Shakespeare tinha razão, ao dizer que "o mundo é um palco, e nós, apenas atores". Eu não lembrava que Holland Taylor, que faz a mãe de Charlie e Allan, em TWO AND A HALF MEN, está no filme. A bela e talentosa Laura Linney faz a esposa de Truman. O filme é uma clara metáfora de nossa situação no mundo, pois enfatiza que o cenário falso em que vivemos também é o cenário que a mídia constrói notícias, política, propaganda e relacionamentos como ilusões teatrais.