segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

4636 - VIVER DUAS VEZES (2019)


VIVER DUAS VEZES (VIVIR DOS VECES, Espanha 2019) – Já com indícios fortes de Alzheimer, um ex-professor de matemática, Emilio (o grande Oscar Martinez) decide reencontrar seu grande amor, Margarita, antes que suas lembranças dela desapareçam por completo. Emilio, solitário e mal-humorado, conta com a ajuda de sua neta, principalmente, e de sua filha e genro, num road-movie romântico pelas estradas espanholas. Seu mundo interior vai se desfazendo gradativamente, e apenas o desejo, ainda intacto, de rever a pessoa a quem ele ensinara o símbolo do infinito, há mais de cinco décadas, e por quem se apaixonara, o move naquilo que Nietzsche chamou de Vontade de Potência, a tendência irresistível dos organismos de se expandir em detrimento das forças contrárias. Emilio sabe das suas limitações, do risco de perder a memória da única pessoa que amou, mas seu movimento na busca de Margarita envolve sua família e o aproxima dos afetos negligenciados durante seu afastamento, agora agudizado pela doença. Já na estrada, Emilio tem o que Hegel considerava a transformação da historicidade do ser, a partir do seu movimento. Havia um vazio a ser preenchido na sua história, um espaço que se bastava das recordações de sua primeira namorada – isso funcionou até ele ainda dispor de sua memória intacta, mas a partir da percepção da fragmentação e posterior extinção da sua referência existencial, Emilio se coloca numa jornada também dialética, no sentido de ser a viagem sempre um esclarecimento anímico do indivíduo, indo além da transferência de um lugar para outro, um atravessar de espaços cada vez menos aleatórios, até encontrar, por fim o objeto de sua busca. O tempo dessas viagens não é somente o tempo cronológico, mas uma temporalidade constitutiva, uma viagem redefinidora do elemento mantenedor de sua dimensão pessoal. Hegelianamente, não há volta, não pode haver, pois a dinâmica ôntica do homem não lhe permite ser sempre o mesmo. E é contra isso que Emilio, A princípio, luta: ele quer a idêntica sensação de ter conhecido Margarita pela primeira vez e só quando, finalmente, a encontra, também com Alzheimer, e, em silêncio, numa cena linda, na praia, ele tem um momento de consciência fugidia da realidade possível, depois de tanto esforço. Already with strong signs of Alzheimer's, a former math teacher, Emilio (the great Oscar Martinez) decides to meet his great love, Margarita, before his memories of her disappear completely. Emilio, lonely and grumpy, has the help of his granddaughter, mainly, and his daughter and son-in-law, in a romantic road-movie through the Spanish roads. His inner world is gradually unraveling, and only the desire, still intact, to see again the person to whom he had taught the symbol of infinity, more than five decades ago, and with whom he had fallen in love, moves him in what Nietzsche called the Will to Power, the irresistible tendency of organisms to expand to the detriment of contrary forces. Emilio knows his limitations, the risk of losing the memory of the only person he loved, but his move in search of Margarita involves his family and brings him closer to the affections neglected during his estrangement, now aggravated by the disease. Already on the road, Emilio has what Hegel considered the transformation of the historicity of being, based on their movement. There was a void to be filled in his story, a space that was enough from the memories of his first girlfriend – this worked until he still had his memory intact, but from the perception of fragmentation and subsequent extinction of his existential reference, Emilio also sets himself on a dialectical journey, in the sense that the journey is always a soul clarification of the individual, going beyond the transfer from one place to another, a crossing of less and less random spaces, until finally finding the object of his search. The time of these journeys is not only chronological time, but a constitutive temporality, a journey that redefines the element that maintains its personal dimension. Hegelianly, there is no going back, there cannot be, because man’s ontic dynamics do not allow him to always be the same. And this is what Emilio, at first, fights against: he wants the same feeling of having met Margarita for the first time and only when he finally meets her, also with Alzheimer's, and, in silence, in a beautiful scene, on the beach, does he have a moment of fleeting awareness of the possible reality, after so much effort. Netflix.