QUE HORAS ELA VOLTA? (Brasil, 2015) – O filme de Anna Muylaert ilustra, inequivocamente, o exercício das relações do poder ramificado em todas as interações sociais, de acordo com a teoria foucaultiana. Para Foucault, o poder não está concentrado na questão econômica, numa perspectiva marxista, como pode insinuar o filme na sua apresentação de uma família rica de São Paulo e de sua empregada vinda do Nordeste. Logo de início, fica claro a subserviência de Val (Regina Casé) no relacionamento com os patrões, principalmente a dona da casa, Bárbara, uma “influencer” acostumada a ser o centro das atenções de todos, inclusive do marido, Carlos, e do filho, Fabinho. A história mostra uma série de cenas nas quais Val sai de sua posição subalterna e e inverte a relação com Bárbara, confirmando a premissa de Foucault: o poder é sempre exercido de modo assimétrico, independentemente da classe social e numa dinâmica sempre desequilibrada, pois um dos pólos invariavelmente estará numa condição de vantagem em relação ao outro. Isso acontece quando Val, exultante, comunica a Bárbara e o filho a aprovação de sua filha, Jéssica, no vestibular e na cena na qual ela decide interromper o roteiro de sua vida dedicada exclusivamente à família dos patrões. Aliás, a filha de Val, durante o período de hospedagem na casa de Bárbara, se apresenta como um elemento disruptivo desta relação de poder, em vários momentos, mas principalmente quando rejeita as investidas de Carlos (cuja relação com a esposa é de humilhação) e questiona a mãe sobre sua naturalização das diferenças sociais, sempre desfavoráveis aos mais pobres e oriundos do Nordeste. Essa assimetria de poder também confirma um dos preceitos de Foucault, no sentido de mostrar o fato de ninguém deter completamente o seu monopólio o tempo todo. Além de ser transitório – e transitivo – o poder age diretamente sobre o corpo do indivíduo, moldando-o, principalmente no mundo do trabalho. Destarte, Val reconhece os limites impostos, e não declarados, de sua atuação na casa; por exemplo, a piscina onde nunca havia entrado; a vida cotidiana transitando entre o quartinho e a cozinha (vemos vários planos nos quais as cenas são delimitadas por portas entreabertas), o tipo de sorvete específico para os empregados – tudo isso é naturalizado numa cena em que Val, questionada por sua filha, lhe diz: “A gente já nasce sabendo disso tudo”. O sopro foucaultiano ainda enfuna as velas da biopolítica, numa dicotomia própria do exercício do poder: ele não é apenas repressor também gera prazer e saberes. Isso acontece na aprovação de Jéssica: Val se ressignifica perante à dominação disfarçada do trabalho na casa de Bárbara (é bom lembrar: o trabalho é principal vetor de de construção da riqueza social, de acordo com a visão de Foucault) e, com ela, redefine a relação mãe/filha, numa nova configuração existencial de sua relação com o mundo. Anna Muylaert's film unequivocally illustrates the exercise of branching power relations in all social interactions, according to Foucault's theory. For Foucault, power is not concentrated on the economic question, from a Marxist perspective, as the film can insinuate in its presentation of a rich family from São Paulo and its maid from the Northeast. Right from the start, it is clear the subservience of Val (Regina Casé) in the relationship with the bosses, especially the owner of the house, Bárbara, an "influencer" used to being the center of everyone's attention, including her husband, Carlos, and son, Fabinho. The story shows a series of scenes in which Val leaves her subordinate position and inverts the relationship with Barbara, confirming Foucault's premise: power is always exercised asymmetrically, regardless of social class and in an always unbalanced dynamic, because one of the poles will invariably be in a condition of advantage in relation to the other. This happens when Val, elated, communicates to Bárbara and her son the approval of her daughter, Jéssica, in the entrance exam and in the scene in which she decides to interrupt the script of her life dedicated exclusively to the bosses' family. In fact, Val's daughter, during the period of accommodation at Bárbara's house, presents herself as a disruptive element of this power relationship, at various times, but especially when she rejects Carlos' advances (whose relationship with his wife is one of humiliation) and questions her mother about her naturalization of social differences, always unfavorable to the poorest and coming from the Northeast. This asymmetry of power also confirms one of Foucault's precepts, in the sense of showing the fact that no one completely holds his monopoly at all times. In addition to being transitory – and transitive – power acts directly on the individual's body, shaping it, especially in the world of work. Thus, Val recognizes the imposed, and undeclared, limits of her performance in the house; for example, the pool where he had never entered; the daily life moving between the little room and the kitchen (we see several shots in which the scenes are delimited by half-open doors), the type of ice cream specific to the employees – all this is naturalized in a scene in which Val, questioned by her daughter, tells her: "We are born knowing all this". The Foucaultian breath still puffs up the sails of biopolitics, in a dichotomy typical of the exercise of power: it is not only repressive, it also generates pleasure and knowledge. This happens in Jéssica's approval: Val re-signifies herself in the face of the disguised domination of work in Bárbara's house (it is good to remember: work is the main vector for the construction of social wealth, according to Foucault's vision) and, with her, redefines the mother/daughter relationship, in a new existential configuration of her relationship with the world.