CORAÇÃO LOUCO (CRAZY HEART, USA, 2009) – Bad Blake (Jeff Bridges) é um astro da música country numa fase decadente, tanto física quanto emocionalmente: alcoólatra, sem cuidado com a alimentação, solitário, relação distante com o filho há mais de trinta anos, sobrevive com apresentações em pequenos bares do interior, aproveitando o restante da popularidade entre os fãs. Então, conhece Jane (Maggie Gyllenhaall), divorciada e com Buddy, seu filho pequeno, e descobre uma maneira de reformular seu estilo de vida, por causa da reconexão proporcionada por Jane com sua vida fragmentada e desprovida de sentido. No entanto, Blake, apesar das instruções do seu médico, continua a beber e fumar sem limites, apesar da aparente felicidade com Jane. A ruptura – consciente ou não – se dá quando ele se perde de Buddy num lugar movimentado, e isso leva Jane a se afastar dele de forma irredutível. De certa forma, Jane aplica o princípio defendido por Locke de conotação empirista – todo conhecimento vem da experiência – ao romper com Blake e atribuir essa decisão ao fato de ele se apresentar como uma pessoa inconfiável em função do problema com a bebida, como ficou mostrado no episódio no qual Buddy se perdeu de Blake quando ele parou para beber num bar. A questão essencial é discutir se a atitude de Jane foi baseada no que aconteceu (o risco de ter perdido o filho) e a associação disso ao caráter de Blake ou na experiência prévia de ter se desiludido com os homens de sua vida (como ela mesma confessa). Ou seja, Jane baseou sua decisão no que viu ou no que supôs que poderia acontecer posteriormente, se ficasse com Blake e, assim, expusesse seu filho a outros perigos advindos da possível irresponsabilidade dele quando bebe? Locke defendia que as ideias de uma pessoa são um reflexo daquilo que experimenta e que as certezas morais são indubitáveis porque baseadas no raciocínio. Há aqui a “tábula rasa” de Locke: antes do incidente, Jane, mesmo sabendo dos riscos de se relacionar com Blake, já havia decidido ficar com ele – mas seriam esses riscos apenas conjecturas em função do estereótipo do cantor de música country ou ela tinha conhecimento efetivo deles? Foi o episódio com Buddy o agente provocador da decisão final ou apenas um fator de confirmação das suas suspeitas? E qual o papel de Blake nesta dinâmica relacional? Vê-se sua transformação (conceito de Hegel) ao fim do filme, e ela é atribuída ao encontro dele com Jane e o filho: Blake passou por uma clínica de reabilitação e reencontrou o sucesso profissional, enquanto Jane se casou com outra pessoa, sugerindo que esse relacionamento seria bom para Buddy. Blake se transformou a partir de uma decisão pessoal sua, ou foi levado a ela em função de ter sido abandonado por Jane? Pode-se considerar até que ponto as duas posturas (modificadas por um encontro/desencontro) foram resultado de uma constatação relativamente fiel da realidade, por causa da observação dos fatos, no sentido lockeano dado ao desfecho do filme. No mais, Jeff Bridges recebeu o Oscar de Melhor Ator por sua atuação nesta história muito mais profunda do que parece à primeira vista. Disney Plus. Bad Blake (Jeff Bridges) is a country music star in a decadent phase, both physically and emotionally: alcoholic, not careful with food, lonely, distant relationship with his son for more than thirty years, surviving with performances in small bars in the countryside, enjoying the rest of his popularity among fans. Then, he meets Jane (Maggie Gyllenhaall), divorced and with Buddy, her young son, and discovers a way to reshape his hectic lifestyle, because of the reconnection provided by Jane with his fragmented and meaningless life. However, Blake, despite his doctor's instructions, continues to drink and smoke without limits, despite his apparent happiness with Jane. The rupture – conscious or not – occurs when he gets lost from Buddy in a busy place, and this leads Jane to move away from him in an irreducible way. In a way, Jane applies the principle defended by Locke of empiricist connotation – all knowledge comes from experience – by breaking up with Blake and attributing this decision to the fact that he presented himself as an unreliable person due to his drinking problem, as shown in the episode in which Buddy got lost from Blake when he stopped to drink at a bar. The essential question is to discuss whether Jane's attitude was based on what happened (the risk of having lost her son) and the association of this with Blake's character or on the previous experience of having become disillusioned with the men in her life (as she herself confesses). That is, did Jane base her decision on what she saw or what she assumed could happen later, if she stayed with Blake and thus exposed her son to other dangers arising from his possible irresponsibility as a baby? Locke argued that a person's ideas are a reflection of what he experiences and that moral certainties are indubitable because they are based on reasoning. There is Locke's "tabula rasa" here: before the incident, Jane, even knowing the risks of having a relationship with Blake, had already decided to stay with him – but were these risks just conjectures due to the stereotype of the country music singer or did she have effective knowledge of them? Was the episode with Buddy the agent provocateur of the final decision or just a factor in confirming his suspicions? And what is Blake's role in this relational dynamic? We see his transformation (Hegel's concept) at the end of the film and it is attributed to his meeting with Jane and her son: Blake went through a rehab clinic and found professional success again, while Jane married someone else, suggesting that this relationship would be good for Buddy. Did Blake transform from a personal decision of his, or was he led to it because he was abandoned by Jane? It can be considered to what extent the two postures (modified by an encounter/disagreement) were the result of a relatively faithful observation of reality, because of the observation of the facts, in the Lockean sense given to the film's outcome. In addition, Jeff Bridges received the Oscar for Best Actor in this story that is much deeper than it seems. Disney Plus.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
4637 - CORAÇÃO LOUCO (2009)
CORAÇÃO LOUCO (CRAZY HEART, USA, 2009) – Bad Blake (Jeff Bridges) é um astro da música country numa fase decadente, tanto física quanto emocionalmente: alcoólatra, sem cuidado com a alimentação, solitário, relação distante com o filho há mais de trinta anos, sobrevive com apresentações em pequenos bares do interior, aproveitando o restante da popularidade entre os fãs. Então, conhece Jane (Maggie Gyllenhaall), divorciada e com Buddy, seu filho pequeno, e descobre uma maneira de reformular seu estilo de vida, por causa da reconexão proporcionada por Jane com sua vida fragmentada e desprovida de sentido. No entanto, Blake, apesar das instruções do seu médico, continua a beber e fumar sem limites, apesar da aparente felicidade com Jane. A ruptura – consciente ou não – se dá quando ele se perde de Buddy num lugar movimentado, e isso leva Jane a se afastar dele de forma irredutível. De certa forma, Jane aplica o princípio defendido por Locke de conotação empirista – todo conhecimento vem da experiência – ao romper com Blake e atribuir essa decisão ao fato de ele se apresentar como uma pessoa inconfiável em função do problema com a bebida, como ficou mostrado no episódio no qual Buddy se perdeu de Blake quando ele parou para beber num bar. A questão essencial é discutir se a atitude de Jane foi baseada no que aconteceu (o risco de ter perdido o filho) e a associação disso ao caráter de Blake ou na experiência prévia de ter se desiludido com os homens de sua vida (como ela mesma confessa). Ou seja, Jane baseou sua decisão no que viu ou no que supôs que poderia acontecer posteriormente, se ficasse com Blake e, assim, expusesse seu filho a outros perigos advindos da possível irresponsabilidade dele quando bebe? Locke defendia que as ideias de uma pessoa são um reflexo daquilo que experimenta e que as certezas morais são indubitáveis porque baseadas no raciocínio. Há aqui a “tábula rasa” de Locke: antes do incidente, Jane, mesmo sabendo dos riscos de se relacionar com Blake, já havia decidido ficar com ele – mas seriam esses riscos apenas conjecturas em função do estereótipo do cantor de música country ou ela tinha conhecimento efetivo deles? Foi o episódio com Buddy o agente provocador da decisão final ou apenas um fator de confirmação das suas suspeitas? E qual o papel de Blake nesta dinâmica relacional? Vê-se sua transformação (conceito de Hegel) ao fim do filme, e ela é atribuída ao encontro dele com Jane e o filho: Blake passou por uma clínica de reabilitação e reencontrou o sucesso profissional, enquanto Jane se casou com outra pessoa, sugerindo que esse relacionamento seria bom para Buddy. Blake se transformou a partir de uma decisão pessoal sua, ou foi levado a ela em função de ter sido abandonado por Jane? Pode-se considerar até que ponto as duas posturas (modificadas por um encontro/desencontro) foram resultado de uma constatação relativamente fiel da realidade, por causa da observação dos fatos, no sentido lockeano dado ao desfecho do filme. No mais, Jeff Bridges recebeu o Oscar de Melhor Ator por sua atuação nesta história muito mais profunda do que parece à primeira vista. Disney Plus. Bad Blake (Jeff Bridges) is a country music star in a decadent phase, both physically and emotionally: alcoholic, not careful with food, lonely, distant relationship with his son for more than thirty years, surviving with performances in small bars in the countryside, enjoying the rest of his popularity among fans. Then, he meets Jane (Maggie Gyllenhaall), divorced and with Buddy, her young son, and discovers a way to reshape his hectic lifestyle, because of the reconnection provided by Jane with his fragmented and meaningless life. However, Blake, despite his doctor's instructions, continues to drink and smoke without limits, despite his apparent happiness with Jane. The rupture – conscious or not – occurs when he gets lost from Buddy in a busy place, and this leads Jane to move away from him in an irreducible way. In a way, Jane applies the principle defended by Locke of empiricist connotation – all knowledge comes from experience – by breaking up with Blake and attributing this decision to the fact that he presented himself as an unreliable person due to his drinking problem, as shown in the episode in which Buddy got lost from Blake when he stopped to drink at a bar. The essential question is to discuss whether Jane's attitude was based on what happened (the risk of having lost her son) and the association of this with Blake's character or on the previous experience of having become disillusioned with the men in her life (as she herself confesses). That is, did Jane base her decision on what she saw or what she assumed could happen later, if she stayed with Blake and thus exposed her son to other dangers arising from his possible irresponsibility as a baby? Locke argued that a person's ideas are a reflection of what he experiences and that moral certainties are indubitable because they are based on reasoning. There is Locke's "tabula rasa" here: before the incident, Jane, even knowing the risks of having a relationship with Blake, had already decided to stay with him – but were these risks just conjectures due to the stereotype of the country music singer or did she have effective knowledge of them? Was the episode with Buddy the agent provocateur of the final decision or just a factor in confirming his suspicions? And what is Blake's role in this relational dynamic? We see his transformation (Hegel's concept) at the end of the film and it is attributed to his meeting with Jane and her son: Blake went through a rehab clinic and found professional success again, while Jane married someone else, suggesting that this relationship would be good for Buddy. Did Blake transform from a personal decision of his, or was he led to it because he was abandoned by Jane? It can be considered to what extent the two postures (modified by an encounter/disagreement) were the result of a relatively faithful observation of reality, because of the observation of the facts, in the Lockean sense given to the film's outcome. In addition, Jeff Bridges received the Oscar for Best Actor in this story that is much deeper than it seems. Disney Plus.