ENCONTROS
E DESENCONTROS (LOST IN TRANSLATION, USA 2003) – Não sei
se é a primeira cena do filme, com a câmera mostrando em toda a sua amplitude,
o “derrière” de Scarlett Johansson, numa lingerie cor de rosa; não sei se é a
chance de vê-la perdida na imensidão de Tóquio, olhando a cidade pela janela do
hotel, querendo apenas alguém para conversar; não sei se é o ar encantadoramente
blasé de Bill Murray, como um ator que vai à capital japonesa para fazer um
comercial de whisky; não sei se são as cenas em que ele tenta se comunicar com os
japoneses, todas elas hilariantes, sem que o filme seja propriamente uma comédia,
mas sim um interessante estudo sobre a solidão que se amplifica nas grandes
metrópoles, talvez porque a trazemos dentro de nós mesmos, aonde quer que vamos;
não sei se é a história do encontro definitivo de duas procuras existenciais, uma muito
diferente da outra, mas, ao mesmo tempo tão parecidas; não sei se é porque o
filme também mostra, entre tantas coisas, que a comunhão entre duas almas gêmeas,
por mais díspares que pareçam, pode ser possível, apesar de tudo em volta ser
contrário ou mesmo hostil; não sei se é apenas por causa de Scarlett, seu olhar
enviesado, sua boca obscenamente entreaberta, sua voz perpassante, seu destemor
diante da vida, do imponderável, de tudo aquilo que não se pode traduzir em
palavras ou sentimentos, que considero este filme a resposta para muita coisa
que sinto, mas que não sei dizer, coisas que são construídas pelo olhar,
sentido e verbo, de Scarlett, cujo nome encerra a cicatriz que carregamos na alma
e desperta o desejo mais refinado que o olhar menos distraído pode proporcionar.