quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

3013 - BLACK MIRROR - TEMPORADA 1

1. 
Uma nova visão da tecnologia (Nova...???)
BLACK MIRROR - TEMPORADA 1 - (BLACK MIRROR, UK, 2011) – Onde eu estava que ainda não tinha assistido a esta excepcional produção britânica repleta de criatividade e temas instigantes? A torrente de boas séries na TV tem este efeito colateral: o dia ainda tem apenas 24 horas, e não dá tempo para acompanhar tudo ao mesmo tempo (que é mais um motivo para a nossa cota de estresse pós-moderno). Quando começamos a ver, sobrevém aquela conhecida sensação de que já devíamos ter começado e que o indesculpável adiamento só faz aumentar a culpa por não ter priorizado este que é, certamente, um dos melhores programas no ar atualmente, juntamente com STRANGER THINGS, que comentarei oportunamente. BLACK MIRROR não é realidade alternativa – é realidade extrema. É uma série em formato de antologia: cada episódio é uma história completa, com seu próprio elenco e seu próprio universo. Todos eles, porém, têm em comum algo fundamental: passam-se em um futuro próximo que é uma versão acentuada, ou extrema, do nosso presente. Charlie Brooker, o insanamente criativo responsável por esta iguaria, é particularmente interessado com a obsessão com informação, conectividade, compartilhamento, renúncia à privacidade, exposição da intimidade alheia e todas as incalculáveis implicações da incorporação da tecnologia à vida pessoal em tão alto grau e, quase sempre, de forma deletéria. A questão nodal dos roteiros reflete o fato de que a tecnologia pode evoluir e melhorar a sua vida, mas a natureza do homem não muda e, em boa medida, seus defeitos e fraquezas podem inclusive ser amplificados de forma exponencial por ela. BLACK MIRROR é quase sempre é comparada a Twilight Zone, a clássica antologia de ficção científica criada por Rod Serling entre 1959 e 1964. Mas há um elemento disruptivo importante entre elas: Serling era um arauto brilhante que dava um tratamento admoestativo aos seus episódios. Já Charlie Brooker aborda suas histórias sempre com o tom de um participante da cultura sobre a qual ele está especulando; ele não é um forasteiro que, de fora, alerta sobre os perigos de um estilo de vida perpassado por uma obsessão patológica pela tecnologia, mas sim alguém que, de dentro, pergunta-se se seria possível corrigir sua rota. É recorrente no DNA de BM o fato de a mesma escolha se imponha aos protagonistas: ceder ao fluxo viciante da onda tecnológica ou, de alguma forma, tentar resistir. De certa forma, a sensação final é sempre a mesma: a percepção de que o esvaziamento existencial é inevitável, assim como a destruição lenta, gradual e irreversível das relações interpessoais. A partir daí, BM se transforma, em certos momentos, numa discussão “hobbesiana” sobre os efeitos insalubres das implicações pervertidas da tecnologia na nossa vida cotidiana. É o que mostra o primeiro episódio desta temporada de estreia: o Primeiro-Ministro britânico se vê obrigado a aceitar a obscena e doentia exigência do sequestrador da princesinha da nação, por causa, principalmente da reverberação política e pessoal que tal ato está tendo nas redes sociais e no Youtube. No segundo, numa sociedade em que o indivíduo tem que pedalar para conseguir créditos que compram pequenos prazeres e necessidades pessoais (como alimentar-se, por exemplo), um programa de TV, ao estilo de THE VOICE, transforma a iniciativa crítica de um espectador solitário em ferramenta para sua própria perpetuação. No terceiro, um chip implantado na cabeça das pessoas permite que passem suas lembranças numa tela, para que todos possam ver e nenhum segredo sobreviva a este extermínio da privacidade. Tudo junto e misturado, BM é coisa de gênio. A propósito, BLACK MIRROR se refere ao efeito de uma tela de TV ou de computador quando desligada, deixando um reflexo obscurecido de quem está diante dela. Tudo a ver, Maurício.