1.
BLACK
MIRROR - TEMPORADA 1 - (BLACK MIRROR, UK, 2011) – Onde
eu estava que ainda não tinha assistido a esta excepcional produção britânica
repleta de criatividade e temas instigantes? A torrente de boas séries na TV
tem este efeito colateral: o dia ainda tem apenas 24 horas, e não dá tempo para
acompanhar tudo ao mesmo tempo (que é mais um motivo para a nossa cota de
estresse pós-moderno). Quando começamos a ver, sobrevém aquela conhecida
sensação de que já devíamos ter começado e que o indesculpável adiamento só faz
aumentar a culpa por não ter priorizado este que é, certamente, um dos melhores
programas no ar atualmente, juntamente com STRANGER THINGS, que comentarei
oportunamente. BLACK MIRROR não é realidade alternativa – é realidade extrema.
É uma série em formato de antologia: cada episódio é
uma história completa, com seu próprio elenco e seu próprio universo. Todos
eles, porém, têm em comum algo fundamental: passam-se em um futuro próximo que
é uma versão acentuada, ou extrema, do nosso presente. Charlie Brooker, o
insanamente criativo responsável por esta iguaria, é particularmente
interessado com a obsessão com informação, conectividade, compartilhamento,
renúncia à privacidade, exposição da intimidade alheia e todas as incalculáveis
implicações da incorporação da tecnologia à vida pessoal em tão alto grau e, quase
sempre, de forma deletéria. A questão nodal dos roteiros reflete o fato de que
a tecnologia pode evoluir e melhorar a sua vida, mas a natureza do homem não
muda e, em boa medida, seus defeitos e fraquezas podem inclusive ser
amplificados de forma exponencial por ela. BLACK MIRROR é quase sempre é
comparada a Twilight Zone, a clássica antologia
de ficção científica criada por Rod Serling entre 1959 e 1964. Mas há um
elemento disruptivo importante entre elas: Serling era um arauto brilhante que
dava um tratamento admoestativo aos seus episódios. Já Charlie Brooker aborda
suas histórias sempre com o tom de um participante da cultura sobre a qual ele
está especulando; ele não é um forasteiro que, de fora, alerta sobre os perigos
de um estilo de vida perpassado por uma obsessão patológica pela tecnologia,
mas sim alguém que, de dentro, pergunta-se se seria possível corrigir sua rota.
É recorrente no DNA de BM o fato de a mesma escolha se imponha aos
protagonistas: ceder ao fluxo viciante da onda tecnológica ou, de alguma forma,
tentar resistir. De certa forma, a sensação final é sempre a mesma: a percepção
de que o esvaziamento existencial é inevitável, assim como a destruição lenta,
gradual e irreversível das relações interpessoais. A partir daí, BM se
transforma, em certos momentos, numa discussão “hobbesiana” sobre os efeitos insalubres
das implicações pervertidas da tecnologia na nossa vida cotidiana. É o que
mostra o primeiro episódio desta temporada de estreia: o Primeiro-Ministro
britânico se vê obrigado a aceitar a obscena e doentia exigência do
sequestrador da princesinha da nação, por causa, principalmente da reverberação
política e pessoal que tal ato está tendo nas redes sociais e no Youtube. No
segundo, numa sociedade em que o indivíduo tem que pedalar para conseguir
créditos que compram pequenos prazeres e necessidades pessoais (como
alimentar-se, por exemplo), um programa de TV, ao estilo de THE VOICE,
transforma a iniciativa crítica de um espectador solitário em ferramenta para
sua própria perpetuação. No terceiro, um chip implantado na cabeça das pessoas
permite que passem suas lembranças numa tela, para que todos possam ver e
nenhum segredo sobreviva a este extermínio da privacidade. Tudo junto e
misturado, BM é coisa de gênio. A propósito, BLACK MIRROR se refere ao efeito
de uma tela de TV ou de computador quando desligada, deixando um reflexo
obscurecido de quem está diante dela. Tudo a ver, Maurício.
Uma nova visão da tecnologia (Nova...???) |