A FORMA DA ÁGUA (THE SHAPE OF WATER,
USA 2017)– A premissa, de tão simples e inusitada, é
chocante: uma faxineira muda e uma criatura anfíbia presa em um laboratório se
apaixonam. O diretor Guillermo de Toro, com este filme, mostra, entre muitas
outras coisas, que o amor, em muitos casos, principalmente nos mais insólitos,
não conhece limites. Mas A FORMA DA ÁGUA não é apenas isso. As camadas
epistêmicas do roteiro são tão numerosas quanto as escamas do ser que, na
memória afetiva dos espectadores, evoca o do clássico B O MONSTRO DA LAGOA NEGRA,
de 1954 e também faz referência aos elementos de A BELA E A FERA. Contudo, Del
Toro subverte as convenções que caracterizam histórias em que monstros se
encantam por belas mulheres, fazendo exatamente o contrário: é Elisa (Sally
Hawkins, estupenda) que se aproxima romanticamente da criatura que, por sua
vez, assume o papel de mocinho da história. Ou seja, neste caso, a “fera” não precisa
se transformar para realizar seu amor. A metáfora líquida está sempre presente.
Eliza, aparentemente frágil e desprotegida, mostra que seu amor é como a água –
pode ser contido, mas, uma vez liberado, flui incontrolavelmente. Assim sendo, o amor
tem a conformidade da água, que assume a forma do seu continente. Destarte, o amor pode ter muitas
formas. Não há como não se lembrar do belo poema de João Cabral de Melo Neto, A
IMITAÇÃO DA ÁGUA. Aliás, atenção para o poema na sequência final. Há referências
religiosas (Sansão e Dalila, com uma interpretação inusitada, a deidade da
criatura na sua origem etc) e cinematográficas (além das já citadas, O CORCUNDA
DE NOTRE DAME e KING KONG, claro). No elenco, Octavia Spencer, sensacional, e o
grandíssimo Richard Jenkins, numa atuação memorável (e quando não é?). Michael Shannon,
fantástico, mais uma vez, personifica o antagonista, mas com tanta profundidade
que talvez merecesse um filme só para si. Assim sendo, não é à toa que a produção seja favorita ao Oscar deste ano. Definitivamente, A FORMA DA ÁGUA é um filme que te
fisga ao primeiro fotograma. Portanto, quando a oportunidade vier, vá e mergulhe na experiência. Você encontrará mágica.